São Paulo, terça-feira, 11 de fevereiro de 1997
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Para onde sopram os ventos

ANDRÉ LARA RESENDE

George Soros é conhecido como o mais bem-sucedido especulador financeiro internacional. Seu fundo de investimentos, o Quantum Fund, pode ser considerado como o precursor do conceito de "hedge funds" -fundos que operam internacionalmente e que tanto podem ter posições compradas como posições vendidas em todo tipo de ativos.
Soros é mais famoso do que o seu fundo. Adquiriu notoriedade muito além de sua seara quando, há alguns anos, ganhou mais de US$ 1 bilhão numa aposta na desvalorização da libra inglesa. Trata-se de muito dinheiro por qualquer critério. É natural que o fato chamasse a atenção. A partir daí houve uma mudança no seu estilo: seu fundo continua competentemente administrado por profissionais por ele selecionados e formados, mas Soros passou a se comportar como uma celebridade.
Com uma formação mais eclética do que a maioria dos seus pares, Soros já havia se aventurado a teorizar sobre o comportamento dos mercados num livro curioso, mas, sobretudo, pretensioso: "A Alquimia das Finanças".
Hoje se dedica primordialmente à sua fundação beneficente -cujo objetivo inicial era ajudar os países do Leste Europeu a se livrarem dos vícios do comunismo-, fazer palestras, dar entrevistas e frequentar as colunas sociais internacionais.
Pois agora Soros assina um longo artigo de capa da revista americana "Atlantic Monthly" onde discorre sobre os riscos do liberalismo. O estilo não é dos melhores e a argumentação inicial sobre o fascismo e o comunismo como inimigos da chamada sociedade aberta é de uma banalidade quase constrangedora. A tese é que, hoje, as ideologias totalitárias estão desacreditada. Surge então uma ameaça ainda mais poderosa: o capitalismo liberal.
O liberalismo, segundo Soros, sustenta que o bem comum depende da busca irrestrita dos objetivos individuais. Assim como as ideologias totalitárias, o liberalismo também procuraria se justificar fazendo apelo à ciência. Acontece que a ciência nesse caso é a teoria econômica, e a teoria econômica estaria fundamentalmente equivocada. Ou bem conseguimos livrarmo-nos do monopólio intelectual do liberalismo, ou o individualismo exacerbado vai levar-nos à incapacidade total de cooperação. O resultado inevitável será a instabilidade e o colapso.
A revista "The Economist" -conhecida defensora do liberalismo- diz ser difícil saber por onde começar a argumentar contra uma tal coleção de equívocos. Em nome da simplicidade, classifica o que chama de a "síndrome de Soros" em três equívocos.
Primeiro, uma alucinação sobre o verdadeiro estado das coisas -nos Estados Unidos, considerados o paradigma do liberalismo econômico, o estado se apropria de um terço da renda nacional. Segundo, uma profunda ignorância da teoria econômica, e, finalmente, uma incapacidade de distinguir entre a essência das ideologias totalitárias e a do liberalismo.
O tema é complexo e o espaço curto. Restrinjo-me, portanto, a uma observação: a argumentação de Soros é, de fato, primária e equivocada, mas sua acuidade para perceber para onde sopram os ventos, extraordinária.
Há hoje um certo cansaço, uma reação ao liberalismo econômico, fruto de seu monopólio, muito mais no plano das idéias do que da prática. Por aqui, se não nos apressarmos, corremos o risco de vê-lo derrotado antes de nos livrarmos dos excessos do intervencionismo.

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