São Paulo, sexta-feira, 14 de fevereiro de 1997
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As cores da América

VICTOR KNOLL

duas exposições retrospectivas realizadas em Nova York, uma da obra de Lichtenstein há cerca de um ano no Museu Guggenheim, e outra de Jasper Johns no Museu de Arte Moderna -que terminou em janeiro deste ano e deverá ainda viajar para Colônia e Tóquio-, assim como a participação de Warhol na sala especial da 23ª Bienal de São Paulo, indicam uma preocupação de reavaliação ou crítica da produção pictórica da pop art. Junta-se a esses eventos a publicação do ensaio de Janis Hendrickson sobre a obra de Roy Lichtenstein. A coleção de reproduções de trabalhos do artista, por si só, seja pela quantidade, seja pela seriação didática, permite-nos uma visão de sua obra, da evolução das soluções plásticas e transformações temáticas.
Embora tenha sido em 1961 que Lichtenstein recorre aos "comics" para a realização de um óleo sobre tela -data estabelecida como ponto de partida de sua obra pop-, já em 1956 produz uma litografia que tem por tema a nota de U$ 10, um objeto ao mesmo tempo corriqueiro e estimado. Ao longo dos anos 50 o trabalho de Lichtenstein está envolvido pelo expressionismo abstrato, culminando em 1958 com uma exposição individual na Condon Riley Gallery de Nova York; entretanto, a "Nota de Dez Dólares" pode ser considerado um trabalho proto-pop.
Além disso, já está presente nessa obra o forte humor que irá dominar os trabalhos de Lichtenstein ao longo da década de 60. No medalhão, o retrato do presidente Hamilton apresenta a influência de Picasso (na composição da imagem) e de Picabia (em alguns detalhes).
De fato, a obra de Lichtenstein é pontuada de citações, revelando um artista com os olhos voltados para os movimentos de vanguarda e, em particular, para a produção de alguns pintores. A admiração por Picasso parece ter sido forte. Pode-se reconhecer a sua presença até mesmo nos trabalhos anteriores à fase pop.
As pinturas ovais de Mondrian podem ser reconhecidas na "Bola de Golfe" de 1962, assim como o contorno e as cores chapadas das naturezas-mortas dos anos 70 lembram Matisse. A lista pode ser completada com os nomes de Braque e Klee para os trabalhos situados entre os anos 40 e 50 de caráter semi-abstrato. Em "Catedral de Rouen (Vista em Três Diferentes Partes do Dia) Conjunto nº2", não estamos diante de uma citação, mas sim de um pastiche da tão conhecida obra de Monet. Os pontos de Ben Day aplicados sobre toda a superfície das três imagens da catedral recriam a mancha da pincelada impressionista. De fato, pode-se reconhecer na obra de Lichtenstein uma galeria de citações.
Entretanto, uma filiação que Hendrickson procura mostrar como inconsistente é a de Seurat; apressadamente estabeleceu-se uma relação -e mesmo uma influência- entre o pontilhismo do artista francês e o uso -marca registrada das figuras de Lichtenstein- dos pontos de Ben Day advindos das artes gráficas. "Pelo contrário, os pontos de Seurat e de Lichtenstein vêm de ramos diferentes da mesma família de pontos, os quais, em verdade, nunca se encontraram. O que eles partilham é o tratamento abstrato dado aos temas figurativos."
Aliás, Hendrickson na mesma linha de Greenberg julga que "a arte abstrata está enraizada nesta questão do século 19", isto é, na análise dos efeitos visuais e, por seu lado, é certo que os pontos de Ben Day estão comprometidos com esse processo.
A obra de Lichtenstein contribuiu para a consistência estética da pop art e, particularmente, com seu humor, ironia e incitamento à reflexão construiu um painel da cultura e do modo de vida do pós Segunda guerra mundial. Em sua obra apenas não encontramos o protesto e a denúncia presentes em outros artistas do "movimento", entre os quais podemos lembrar o nome de Warhol. O compromisso de Lichtenstein é essencialmente com a imagem. São suas palavras: "Não me interessa um tema para com ele tentar ensinar alguma coisa à sociedade ou para tentar, de alguma forma, melhorar o mundo". Entretanto, não seria impróprio afirmar o conjunto da obra de Lichtenstein como uma das manifestações artísticas mais vivas e comprometidas com o modo de vida de nossa cultura. Além disso, em muitos casos, elabora as imagens -numa conjugação de desenho e pintura- de tal modo que não mais reconhecemos a procedência da ilustração publicitária ou das figuras de embalagens.
A pop art ligada ao imediato, superou o imediato e assumiu um lugar na história da arte do século 20, ao lado das tendências artísticas que durante a sua primeira metade empolgaram a Europa. A obra de Lichtenstein, como vimos, herdou e reelaborou as iniciativas estéticas de alguns desses movimentos, dos quais, talvez, se deva ressaltar o cubismo de Picasso e Braque.
No outono de 1961, Lichtenstein mostrou a sua mais recente produção a Leo Castelli, que imediatamente a aceitou em sua galeria. Ali estão o desenho e as cores da América.
Outros aspectos da obra de Lichtenstein tratados por Hendrickson em seu ensaio -como a evolução dos temas, as séries dos espelhos que nada refletem e a do estúdio como um resumo da obra-, deixamos para o apetite do leitor curioso.

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