São Paulo, sábado, 15 de fevereiro de 1997
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Paraísos artificiais

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Semana passada, estive algumas vezes no balcão das casas de câmbio e diante daquela tabuleta onde estão registradas as taxas para a conversão de dinheiro.
Uma bandeirinha revela o país. Bandeira branca com uma bola vermelha no centro é o iene. Listras e estrelas em vermelho, branco e azul, é o dólar.
O auriverde pendão, beijado e balançado pela nossa brisa, não figura na maioria das tabuletas. Pior: nas mais complexas ou completas, lá estavam o verde de nossas matas, o amarelo de nosso ouro e o imaculado azul de nosso céu -mas com um buraco negro e vazio no lugar onde deveria estar o índice referente à conversão de nossa moeda.
Daí que continuamos a ser obrigados a levar dólares, marcos ou francos suíços para termos direito a receber o correspondente em moeda local, seja ela qual for. Um amigo me pergunta qual a cotação real do real -e fica pasmo quando digo que está mais ou menos ao par do dólar americano.
O mesmo pasmo que tive, anos atrás, quando cheguei a Cuba e me disseram que o peso cubano valia US$ 1. As notas que Fidel Castro distribuía à população da ilha até que eram imponentes, tinham a cara do José Martí num dos lados, no outro havia complicada alegoria ao "territorio libre de las Americas" -mas só valiam para comprar sorvete e charutos populares. De Montecristos para cima, só se comprava com as verdinhas que conhecemos.
Cuba se vangloriava de não ser mais um paraíso fiscal, como fora no passado. Era então simplesmente um paraíso. Os índices de popularidade dos governantes e de alacridade do povo eram igualmente pasmosos. Mas só valiam para consumo interno.
Não sei por que, toda vez que via o buraco depois da bandeira brasileira nas tabuletas das casas de câmbio, lembrava o meu espanto em saber que, em 1968, Cuba tinha moeda tão forte quanto o dólar. Hoje, os cubanos estão pagando o preço do truque cambial e de outros truques.

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