São Paulo, segunda-feira, 17 de fevereiro de 1997
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A descoberta do Brasil

JOÃO SAYAD
QUEM FOI QUE DESCOBRIU O BRASIL?

a) Pedro Álvares Cabral
b) Cristóvão Colombo
c) Fernão Dias e Paes Leme
d) os tapuias
e) os vikings
d) nenhuma das acima
O aluno prático quer passar no vestibular e responde Cabral imediatamente. O intelectual e historiador não sabe como responder. A resposta poderia ser "todas as acima", pois o Brasil foi descoberto junto com a América por Colombo.
Ou pelos tapuias ou por outros índios quaisquer que chegaram aqui muito antes pelas ilhas Aleutas. Ou pelos bandeirantes que não se restringiram aos limites fixados pelo Tratado de Tordesilhas e "inventaram" o Brasil. Até os vikings estiveram aqui antes de quase todos, exceto os índios.
Homens práticos e vestibulandos são escravos de objetivos que não questionam: passar no vestibular, conseguir diploma universitário, responder testes de múltipla escolha.
Sabem se orientar no labirinto de restrições, convenções, leis, hábitos e obstáculos do mundo. Não querem saber o que é o mundo, mas se saem muito bem.
Têm sensibilidade incomum para dar o próximo passo, andar para frente, embora não saibam aonde estão indo nem tenham tempo de pensar nisso.
Para intelectuais, tudo é mais difícil. Pensam com liberdade, mas não conhecem as convenções e pequenas regras do cotidiano. Têm grande dificuldade para responder testes de múltipla escolha.
O governo declarou na Itália que a redução de tarifas aduaneiras no Brasil foi muito rápida e custosa para o país. Resposta correta e ótimo sinal de mudança.
O livre comércio pode, em princípio, trazer benefícios para todos os envolvidos. Em princípio, apenas. Depende: a) de o país ser desenvolvido ou não, b) de os outros países seguirem ou não a mesma regra e c) de muitos outros fatores.
Economistas discutem em que condições o livre comércio é benéfico há pelo menos 200 anos. Entretanto, o governante precisa responder sem pestanejar o teste de múltipla escolha: reduz tarifas ou não. O Brasil reduziu depressa e, agora, concluímos que foi depressa demais.
Os intelectuais sabem também que em economia, como em história e biologia, o tempo não volta atrás. Os dinossauros de centenas de milhões de anos atrás desapareceram irremediavelmente. É impossível recriar dinossauros, pois os seus descendentes mais próximos hoje em dia, são os passarinhos.
É preciso arriscar também em gastos sociais e de infra-estrutura, apesar de os intelectuais do mundo inteiro dizerem que o Estado acabou e que os estadistas passaram a ser fantoches do mercado financeiro internacional.
Não consigo entender por que o orçamento não pode ser alterado e ampliado para que possamos gastar em tudo o que precisamos de fato: estradas, médicos, professores e juízes.
O presidente também declarou em entrevista à Folha que pensou em desvalorizar o câmbio em outubro de 1994, em dezembro do mesmo ano e em março de 1995.
Intelectuais que têm tomado parte em seminários com o presidente repetem que as melhores análises críticas do governo são apresentadas pelo próprio presidente.
O executivo ideal, seja gerente de filial ou secretário-geral da ONU deveria ser intelectual que conseguisse tirar dez em testes de múltipla escolha.
Um homem capaz de contornar os obstáculos e convenções do cotidiano, de decidir rápido apesar de todo o conhecimento que tem, preservando, ao mesmo tempo, a liberdade de pensar e a capacidade de se expressar direta, objetiva e radicalmente, sem qualificações e notas de rodapé.

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