São Paulo, terça-feira, 18 de fevereiro de 1997
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West End reage com grandes atuações

NELSON DE SÁ
DO ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

A comédia "Art", apesar da violenta divisão que provocou na crítica londrina, com conservadores de carteira derramando-se pela peça e modernistas também de carteira questionando-a como o demônio encarnado, não poderia ser menos ligada à controvérsia de artes plásticas que centralizava tal discórdia crítica.
A peça retrata o conflito de dois velhos grandes amigos, Marc e Serge, depois que o segundo gasta o seu dinheiro todo num quadro branco, ou melhor, branco, mas com diferenças de textura, com linhas em coloração ligeiramente diversa. "Uma pintura branca com linhas brancas", no início da ironia violenta de Marc.
O primeiro dos amigos, um conservador, mais ligado à arte figurativa, revolta-se com Serge e abre uma guerra verbal e psicológica que acaba indo muito além das artes plásticas, da "art".
Bem mais do que a anacrônica polêmica modernista, que já conta quase um século desde o surgimento das primeiras telas "brancas", o que "Art" faz é aventurar-se pela amizade masculina, com seus jogos de poder e suas mentiras, com seus desrespeitos e crueldades, com a falsidade e a hipocrisia, mas também com a incapacidade de se desligar.
Não à toa, foi escrita por uma mulher, Yasmina Reza, além de tudo francesa, no que é a maior contribuição recente do país ao teatro; na realidade, a grande prova de que o teatro francês, afinal, não morreu. Ainda assim, trata-se de peça que não poderia ser mais caracteristicamente inglesa no virtuosismo de seu jogo oral, de seu "wit", do espírito que vai brandamente se dissolvendo em ressentimento, desprezo e ultraje.
Não que o tema da "art" seja inteiramente invalidado no espetáculo: quando a discussão avança sobre as artes plásticas vistas hoje como comércio, sobre o "valor" de uma pintura, como dinheiro e mercadoria, ou como frivolidade social, "Art" até que faz por merecer a polêmica que opôs direita ("The Daily Telegraph") e esquerda ("The Guardian").
O texto de Yasmina Reza, em tal direção, é muito ajudado pela interpretação -de tirar o fôlego- dos veneráveis Albert Finney, no papel de Marc, e Tom Courtnay, que faz Serge.
Os dois perturbam, tal a verossimilhança, a verdade do que fazem. É difícil não se ver exposto em algum deles, em algum momento, ou nos dois.

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