São Paulo, quarta-feira, 19 de fevereiro de 1997
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'Os Guarda-Chuvas' é a realidade das cores

DA REPORTAGEM LOCAL

"Os Guarda-Chuvas do Amor", em uma imagem do livro dedicado a Jacques Demy, representa o cinema do encantamento. Uma magia e um fantástico que só são entendidos se for aceita a idéia de que, além da sedução e do mistério, um conto de fadas contém também um alto grau de perversidade.
Na burguesa e conservadora Cherbourg, em novembro de 1957, a jovem Geneviève divide sua atenção entre a loja de guarda-chuvas e o amor por Guy, que, aos olhos de sua mãe, é apenas um mecânico sujo, exemplo perfeito da imperfeição irritante da classe operária.
Mas o romance não acontece, um pouco à maneira de Romeo e Julieta, que não têm o sofrimento aliviado pela morte e, sim, se condenam à tristeza pela vida.
Guy parte para Argélia, para cumprir o serviço militar. Geneviève, grávida, se submete aos conselhos da mãe e à pressão local, terminando por se casar com Roland Cassard, herdeiro de um comércio de diamantes.
Cinco anos depois, com a proximidade do Natal, Guy e Geneviève se reencontram, mas parece que não há nada mais para ser dito. Ou, na verdade, cantado, já que Demy não permite diálogo, mas canções.
Durante 83 minutos, o cineasta cria um sonho. Não espera que o espectador o aceite, ou mesmo o compreenda. Deseja apenas que participe de sua fantasia.
Quando reexibido nos EUA no ano passado, foi visto como uma pérola do kitsch em uma moldura de cores psicodélicas.
Ao ver o sofrimento de Deneuve, a platéia parecia estar diante de uma grande comédia, sugerindo que "Os Guarda-Chuvas" estivesse mais próximo de "Batman", a série de TV, do que de "Uma Mulher É uma Mulher", de Jean-Luc Godard, ou "Beijos Roubados", de François Truffaut.
Mas o que há de fascinante em Demy, e isso é o que tenta provar Camille Taboulay em "Le Cinéma Enchanté", é que seu cinema dispensa a ironia.
Demy recusa o cinismo e, de alguma maneira, até mesmo as metáforas. O que vemos em "Os Guarda-Chuvas" (e também em "Les Demoiselles de Rochefort" (1967) ou "Model Shop" (1968)) não é sua leitura -com cores selvagens- do mundo. É, para ele, a realidade possível.

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