São Paulo, quarta-feira, 19 de fevereiro de 1997
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Um SOS aos brasileiros

MIGUEL JORGE

A capacidade de mobilização da sociedade é importante instrumento para a redução das enormes diferenças entre um país moderno e rico, com muitos recursos para enfrentar seus problemas, e um país em desenvolvimento, que luta para superar o atraso.
Recente notícia da Folha sobre malária informa que os médicos brasileiros Ruth e Victor Nussenzwig descobriram, em Nova York, uma vacina antimalária, que teve grande êxito em testes de laboratórios e poderá ser produzida nos EUA.
Enquanto isso, no Brasil, acontecia -e ainda acontece- outro fato da maior importância, embora bem mais simples e até comovente, pois usa poucos investimentos em saúde, com muito pouco ônus para os contribuintes.
Segundo a mesma Folha, agentes comunitários de saúde conseguiram o "milagre" de reduzir a mortalidade infantil e o número de crianças subnutridas de até cinco anos no Nordeste.
Ao mesmo tempo que o governo norte-americano investe pesado em pesquisas de médicos brasileiros, formados na Universidade de São Paulo e indicados ao Prêmio Nobel nos anos 80, nossos agentes de saúde salvam vidas sem ter sequer o 1º grau. O trabalho de 44 mil agentes, em 1.464 municípios nordestinos, ao contrário da importante conquista dos Nussenzwig, parece interessar pouco à mídia e à opinião pública.
Uma revolução, sem dúvida, pois usam-se métodos simples e baratos, desprezados por muitas autoridades, que preferem vultosas verbas para programas de saúde -muitas vezes, verbas que nunca chegam ao destino. Esses recursos mínimos, nas mais pobres regiões do país, dão a cidadania a crianças, de pouco valor para muitos governos -afinal, criança não vota.
Os agentes ganham de R$ 112 a R$ 280 e não precisam de qualquer formação em saúde. Prestam serviços básicos, ensinam a fazer curativos, diagnosticam desidratação (combatida com soro caseiro), pesam crianças e gestantes, acompanham as vacinações e encaminham doentes aos hospitais.
Nos EUA, a parasitologista Ruth e o imunologista Victor são professores e chefes de departamento da Escola de Medicina da Universidade de Nova York. Certamente, pesquisam com os equipamentos mais modernos do mundo, além, claro, de ter apoio, verbas, assistentes etc., ganhando espetacularmente em eficiência.
Segundo uma das principais revistas médicas do mundo, sua vacina funcionou em 85% dos voluntários picados por mosquitos infectados pela mais mortal parasita da malária, o "Plasmodium falciparium".
Quadro no Nordeste brasileiro: faltam médicos, hospitais e até vacinas; com frequência, os Estados não repassam recursos financeiros aos municípios da zona rural. Nas grandes cidades, como Recife, recente pesquisa do Unicef revelou que a pobreza e desinformação causam a maioria das mortes de crianças -em Camaragipe, a 25 km de Recife, eram analfabetos os pais em 70% das famílias que perderam filhos.
Mas, com todas as suas limitações, os agentes comunitários reduziram em pelo menos 20% a mortalidade infantil no Nordeste desde o início do plano de estabilização, em julho de 1994 (na Paraíba, a queda foi de 45,5%!). Na reportagem da Folha, a repórter Daniela Falcão mostra que, em relação ao número de crianças subnutridas, embora em períodos diferentes, o resultado é muito mais impressionante: de 1986 a 1996, caiu em 35,9% o total de crianças de até cinco anos com baixo peso para a idade, contra 16,9% da média nacional.
Que ninguém imagine que se pretenda comparar a descoberta do casal Nussenzwig, que poderá beneficiar 100 milhões de pessoas, em todo o mundo, que contraem a malária anualmente, com o trabalho dos agentes de saúde, responsáveis, aqui, por aqueles feitos na área social.
O que se pretende mostrar, efetivamente: no Brasil, com 40 milhões de pobres, quase 10 milhões de crianças trabalhando e a segunda pior distribuição de renda do mundo, a mobilização da sociedade certamente significa a diferença entre o passado e o futuro.

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