São Paulo, quarta-feira, 19 de fevereiro de 1997
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Desenvolvimento suspeito

ANTONIO DELFIM NETTO

Quando observamos a economia, vemos, de um lado, um imenso estoque de capital físico construído no passado graças à poupança da coletividade: máquinas operatrizes, usinas de energia, linhas de transmissão, sistema de comunicações, edifícios, silos, residências, tratores etc. O estado da tecnologia está cristalizado na idade de cada um desses equipamentos. De outro, vemos um imenso estoque de força de trabalho: são os indivíduos de carne e osso, homens e mulheres, com seu nível de educação, de saúde e distribuição etária, que os economistas chamam de capital humano.
Os empresários, antecipando uma demanda e procurando tirar dela o melhor proveito, juntam o estoque de capital à força de trabalho, dando início a uma espécie de reação química (capital + trabalho), cujo resultado final é a produção de uma miríade de bens e serviços desejados pela própria força de trabalho.
O desenvolvimento econômico, isto é, o crescimento da produtividade da mão-de-obra se realiza na medida em que o próprio processo produtivo gera um excedente (recurso não consumido), que é investido no aumento do capital físico e no capital humano da sociedade. O segredo do progresso consiste em: 1) investir em novos equipamentos que cristalizem o avanço de tecnologia; 2) investir no capital humano para torná-lo apto a usar e criar novas tecnologias.
A grande pretensão da teoria econômica é explicar como cada cidadão, procurando o seu próprio interesse, dá lugar a uma espécie de "ordem espontânea", que se verifica na vida prática do processo produtivo. A idéia básica é a de que esse estranho encontro de tecnologia produtiva, de um lado, e a preferência dos consumidores, de outro, dêem lugar à criação de um sistema de preços que transmite a todos os agentes informações de como agir. Como cada agente quer maximizar a sua satisfação ou o seu lucro, o sistema de preços informa ao trabalhador qual salário que ele pode obter e como pode distribuir seu tempo entre trabalho e lazer e informa ao empresário quais os bens e em que quantidade deve produzi-los.
No passado recente, os economistas acreditavam que essa descrição romântica do mercado não correspondia plenamente à realidade. E que, de vez em quando, o mercado falhava na sua missão coordenadora. Era vez, então, da "mão visível" (o Estado) suprir as falhas da "mão invisível" (o sistema de preços). Era o tempo das políticas de desenvolvimento, das políticas industriais, dos estímulos à exportação e da substituição das importações, que produziram resultados apreciáveis enquanto o sistema econômico era relativamente fechado e o movimento internacional de capitais, restrito.
Tudo isso hoje é anatematizado: submetido o capitalismo produtivo aos interesses do capitalismo financeiro, o próprio desenvolvimento transformou-se no principal suspeito dos males da sociedade. Os economistas torturaram com tal sadismo a "mão visível", que a fizeram confessar que ela era apenas o lado mau da "mão invisível"...

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