São Paulo, quinta-feira, 20 de fevereiro de 1997
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Ex-refém expõe na Arco 97

MARIA ALZIRA BRUM LEMOS
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM MADRI

São figuras de barro incrivelmente parecidas umas com as outras. Mas basta um olhar para notar que elas também são incrivelmente diferentes, únicas em seus gestos.
Para o visitante da 16ª Feira Internacional de Arte Contemporânea (Arco 97), que acontece em Madri, elas são uma parte a mais do caleidoscópio de cores e formas em exposição. Mas as figuras de peruano Carlos Runcie Tanaca, partes de uma instalação intitulada "A Espera", se incorporaram à experiência pessoal do artista.
Tanaca participava, com outras 489 pessoas, de uma recepção na residência do embaixador japonês em Lima (Peru), em 17 de dezembro passado, quando membros do grupo Tupac Amaru ocuparam a casa e sequestraram os presentes.
Tanaca foi liberado no quinto dia. "Um artista não tem muita importância nesse contexto. Quem iria pagar por um artista?" Ele falou à Folha na última terça-feira, em Madri.
*
Folha - Há duas galerias peruanas na Arco. É possível ter uma idéia da produção artística do país pelo que se vê aqui?
Runcie Tanaca - Viemos seis artistas, todos de Lima, que é onde há mais gente produzindo. O interessante é que aqui se pode ter uma idéia bastante boa do que estamos fazendo.
Vieram artistas consagrados e também jovens. Creio que a arte peruana contemporânea está bem representada aqui. Falta algo de escultura.
Folha - Nessa ampla perspectiva de mistura de tendências, como fica a especificidade?
Tanaca - Há espaço para tudo. Os trabalhos dos brasileiros que estão aqui são muito próximos das criações européias. Em alguns tipos de trabalho podemos indagar sobre nossa identidade cultural.
Meu trabalho tem algo em comum com a cerâmica tradicional, pela similaridade das figuras. Mas o volume e a cor são totalmente diferentes.
Folha - Persiste a idéia de uma arte com conteúdo social?
Tanaca - Não há mais propostas sociais na arte. Há uma distância dos artistas com relação ao que acontece no país (o Peru). No meu caso, sempre tive a preocupação de investigar como uma pessoa, trabalhando desde a matéria, estabelece um nexo com a cultura.
Há uma liberdade nesse trabalho, que é a de deixar transparecer uma história pessoal, a minha como indivíduo criador e parte de uma coletividade. Antes eu não fazia figuração. Depois passei a me interessar por cabeças e mãos, pretendendo expressar algo que nasce da mesma pedra, mas se diferencia pelas mãos.
Folha - Você e todos os que estavam na residência do embaixador japonês fazem parte de uma parcela privilegiada de seu país? Como você se sentiu estando ali?
Tanaca - As pessoas que estavam naquela recepção, embora não fossem em sua imensa maioria membros do poder econômico, fazem parte do pequeno grupo de cidadãos que têm acesso à cultura. Não me senti especial por ser artista. Todos nos sentimos da mesma maneira: com medo e desprotegidos frente a uma realidade.
Folha - O que sentiu com relação aos sequestradores?
Tanaca - Eu não tenho nenhuma simpatia por eles, nem pela violência. Mas posso compreender que essa tenha sido sua única opção numa sociedade com tantas injustiças como a peruana. Minha esperança é poder contribuir como artista e cidadão para que estas coisas não voltem a acontecer.
Folha - Como isso seria possível?
Tanaca - Enquanto estive como refém, notei que as pessoas que estavam ali dialogavam, trocavam idéias. Fizemos relações, conversamos francamente. Será que só é possível dialogar em condições extremas? Eu tenho muita esperança de que a conversa franca, o debate, se amplie no Peru.

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