São Paulo, sexta-feira, 21 de fevereiro de 1997
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'Laranja' diz que papéis 'lavaram' dinheiro

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em uma sessão que durou aproximadamente cinco horas, duas delas a portas fechadas, o proprietário da IBF Factoring, Ibrahim Borges Filho, revelou à CPI que investiga irregularidades na emissão de títulos públicos como o esquema de compra e venda de títulos dos Estados e municípios usava "laranjas" para lavar dinheiro.
A CPI tem documentos comprovando que, só para um doleiro, Borges emitiu um cheque de R$ 21 milhões.
Ibrahim disse na noite de anteontem aos senadores que foi contatado por um empresário amigo para emprestar o nome da sua empresa que seria usada como "laranja" (pessoa ou empresa que serve de fachada em uma fraude).
As informações dadas pelo dono da IBF confirmaram o que eram apenas suspeitas da CPI sobre como o mercado financeiro obteve dinheiro ilegal negociando títulos.
"Era um esquema, a meu ver, de lavagem de dinheiro", disse Borges Filho. Contou que fez uma pesquisa para medir as implicações do negócio: "Realmente, nem crime é a lavagem". O governo ainda não enviou ao Congresso projeto que pune esse tipo de crime.
Borges assinava os boletos das operações com os títulos, os cheques e os DOC (Documento de Crédito) e entregava tudo à corretora Split. "A secretária deles me ligava e falava: estou mandando meu boy".
Por esse trabalho, emprestar o nome da empresa, Borges Filho, ganhava 0,3% do total das comissões dos negócios da Split. O empresário faturou R$ 210 mil. "A minha empresa era realmente 'laranja', porque eu não ficava com esses lucros, eu ganhava uma comissão", disse na CPI.
O relator da CPI, senador Roberto Requião (PMDB-PR), suspeita que os lucros obtidos com o esquema que usou a IBF como "laranja" foram remetidos para o exterior e retornaram ao país para o pagamento de comissões e propinas.
No total, segundo Borges Filho, a sua empresa gerou lucros de R$ 100 milhões. A CPI contabilizou os ganhos da empresa em R$ 70,8 milhões. Hoje, a IBF não tem qualquer funcionário e, durante muito tempo, manteve apenas um office-boy permanentemente.
Segundo Requião, o dinheiro teria sido repassado a doleiros que atuam na fronteira do Brasil com o Paraguai, por meio de cheques assinados pelo dono da IBF.
No depoimento de Borges Filho à CPI, Requião citou os nomes de Carmem Alonso Godoy Xavier e Pedro Paulo Romero. Eles seriam doleiros que receberam cheques da IBF, segundo as investigações preliminares da comissão.
"O dinheiro foi usado para pagar a corrupção que envolve a emissão de títulos públicos nos Estados e nos municípios", disse o senador Roberto Requião.
A IBF operou com títulos de Santa Catarina, Alagoas e Pernambuco, além de papéis dos municípios paulistas de Osasco e Guarulhos.
Borges Filho disse que a IBF atuou com o Banco Divisa e com as corretoras Negocial, Ativação e Olímpia. Disse que viu como tudo funcionava "quando saiu o negócio da Negocial que comprava títulos da prefeitura (São Paulo), pouco antes das eleições".
Em setembro foi revelado que a prefeitura teve prejuízos ao negociar seus títulos com a empresa.
Anteontem à noite, Borges Filho começou o depoimento à CPI negando que conhecesse doleiros para quem ele tinha passado cheques, um deles de R$ 21 milhões.
Ameaçado de prisão por não querer contar detalhes, Borges Filho aceitou contar tudo o que sabia em uma sessão secreta.
Depois de chorar e de dizer que tinha dois filhos, Ibrahim começou a revelar o esquema. Disse que foi contatado pelo amigo Pedro Mamana, dono da empresa Cobertec Indústria e Comércio, um negócio de estruturas metálicas. Disse que Mamana "dividia a comissão" dos negócios com ele.
O senador Jader Barbalho (PMDB-PA) quis saber quem era a empresa para quem ele assinava tudo em branco e devolvia a documentação. "Para a Split", disse.
Antes de vir a Brasília depor, Ibrahim Borges Filho revelou que foi sabatinado pelo "senhor Marcos" da Split. "Quando souberam que eu vinha aqui, é óbvio que eles...". Em um determinado momento, o dono da IBF chegou a argumentar: 'Não fui orientado quanto a essa pergunta".
Só a IBF trabalhou na compra e venda de títulos com três contas, nos bancos Dimensão (São Paulo), Rural e Banestado (Curitiba).

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