São Paulo, sexta-feira, 21 de fevereiro de 1997
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Muita lei, nenhuma lei

JOSÉ SARNEY

A França vive hoje grande discussão que envolve uma das metas do presidente Chirac: acabar com a multiplicação das leis. O povo reclama que não aguenta a quantidade de leis que o país tem. É uma agressão à cidadania, que não pode ser exercida, visto que ninguém pode conhecer tantas leis e ter obrigação de cumpri-las.
O presidente do Senado, Monory, com quem jantei ontem, em banquete que me foi oferecido na Academia Francesa, disse-me que a simplificação das leis é a maior meta de reorganização do Estado que eles estão tentando implantar. Já Montesquieu, o homem do "Esprit des Lois", afirmava que o "excesso de leis destrói a lei".
Fico pensando no Brasil, tão viciado em leis de circunstância. Quantas leis tem a França hoje em vigor? Oito mil leis! No Brasil, ainda estamos somando, mas o último número, chutado há dois anos, era de 150 mil! Se acrescentarmos decretos, regulamentações, portarias, normas e tudo mais, chegaremos à cifra de, quem sabe, 500 mil.
Isso é o caos. Só em medidas provisórias, já ultrapassamos 1.500! A assembléia francesa votou 28, em 1996, e a sociedade reclama que não aguenta tantas leis, impossíveis de serem assimiladas. Para nós, o mais chocante exemplo foi a Constituição de 1988. Nem esta pode ser conhecida, com mais de 300 artigos e a obrigação de votar 150 leis complementares.
Diz-se que o Estado de Direito é o governo das leis e não dos homens. Que Estado de Direito pode existir com tantas leis que significam não ter lei nenhuma, em que todas podem ser modificadas a qualquer hora do dia ou da noite, sem conhecimento do cidadão nem do Congresso?
Orgulhamo-nos de ter acabado a inflação, mas a inflação de leis continua, galopante, esmagadora dos direitos civis. Temos projetos para tudo, até mesmo um que proíbe "dar troco em bombons"! Temos lei de imposto de renda anual, lei eleitoral para cada eleição e lei que regula a composição do sal na alimentação bovina.
Nada há de mais subdesenvolvido do que o pandemônio da legislação brasileira. É artigo que remete a parágrafo, deste a inciso, de inciso a alíneas. Há leis contra leis que falam de outras leis. Nesse labirinto, surge, com absoluta clareza, que o país, com tantas leis, não tem lei. Assim, os tribunais ficam cheios de processos, e ninguém sabe quais as leis em vigor, as revogadas e as repristinadas.
O cidadão francês reclama de 28 leis por ano. O brasileiro está calado com 150 mil e 1.500 medidas provisórias. Precisamos de uma lei que acabe com a inflação das leis.
Para isso ocorrer, é necessária uma nova consciência legislativa. Usar a informática para aprimorar a técnica de legislar, parar as medidas provisórias e fazer um levantamento de toda a legislação existente, condensando o essencial e revogando o lixo legislativo inflacionário.

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