São Paulo, sábado, 22 de fevereiro de 1997
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Desenho de cena domina "Salomé" de Possi

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao que parece o "design", ou melhor, o desenho mesmo, seja ele coreográfico, cenográfico, dos figurinos, na "Salomé" de José Possi Neto buscou a inspiração nas famosas ilustrações de Aubrey Beardsley. Foram feitas para a edição centenária da peça, ou poema dramático, de Oscar Wilde.
Numa delas, "a mulher na lua", a princesa move sinuosamente os braços, pulsos, os longos dedos, nua diante da lua. É assim ou quase que Christiane Torloni, que faz Salomé, se move durante parte da peça, com rigor e sensualidade, também contenção, sublimes; ela brilha sobre o espelho d'água como a própria lua, literalmente. É "pura", está "pura", até conhecer o corpo branco e fascinante de Jokanaan, o profeta João Batista, prisioneiro do rei Herodes.
Recusada pelo profeta, que não quer seu beijo, faz a vontade do padrasto Herodes com "a dança do ventre", em que expõe as carnes, as pernas. Lança o ventre à frente, belíssima pela imperfeição, lasciva na exposição; com opulência, como na ilustração. Não quer Herodes, mas conseguir dele a cabeça do profeta.
Christiane Torloni, nos dois momentos, nas duas ilustrações, é a própria princesa Salomé. Visualmente, "Salomé" não poderia ser melhor. A solução das colunas, o espelho d'água, as luzes espalhadas pelo palco, suspensas no ar. Os figurinos de escura sensualidade, escorregando dos corpos. Em tudo ou quase parece seguir Beardsley, com efeito sem igual hoje, no palco paulistano.
São assim a coreografia, a cenografia, a imagem de "Salomé". Mas a peça é também e sobretudo texto, literatura. E a atenção que diretor e protagonista concentraram no ritual visual mal se nota na trama, nos versos, na psicologia dos personagens. Christiane Torloni é pétrea e esfria inteiramente o palco, sempre que fala.
Entra em colisão com a devassidão da mãe, Herodias, na interpretação desbragada de Cláudia Schapira, com humor que não encontra eco. Uma e outra, mãe e filha, parecem não ter o que se costuma chamar de "direção de atores"; o desenho parece tomar toda a atenção e arte do diretor.
Luis Melo (Herodes) tem maior domínio de ação e personagem, ainda que longe dos momentos exuberantes, passados. É competente, mas surge refreado, dando a impressão de se conter para uma cena maior, que afinal não vem. Poderia ser a frase final, uma das mais estarrecedoras do teatro de Oscar Wilde, nesse período "simbolista" e "trágico". É quando ordena a morte de Salomé, mas ela é tão repentina, e logo desaparece, que permanece apenas o choque.
Tuca Andrada, que faz Jokanaan, não chega a deixar marca de interpretação, em sua única e tensa cena "vivo"; nas intervenções em "off", profetizando aos gritos da cela, apresenta uma voz talvez juvenil demais, até ingênua, para tais imprecações bíblicas.

Peça: Salomé
Onde: Teatro Faap (r. Alagoas, 903, tel, 011/824-0104)
Quando: quinta a sábado, às 21h; domingo, às 19h
Quanto: R$ 25

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