São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
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Ex-goleador ganha tijolos para jogar

MÁRIO MAGALHÃES
DO ENVIADO A RIO GRANDE (RS)

Talvez a ironia mais cruel na vida de Antônio Marcos de Oliveira Soares seja o apelido que o acompanha desde a infância, Milhão.
Jogador desempregado, depois de cinco anos no Sport Club Rio Grande, ele mora com a mulher na casa simples dos pais, ganha a vida como portuário, sofre com a falta de dinheiro, mas ainda sonha em fazer fortuna como atleta.
A alcunha do centroavante de 24 anos surgiu pela insistência com que pedia trocados a um avô.
"Eu vivia dizendo 'me dá mil, me dá mil'. Como naquela época fazia sucesso na TV a série 'O homem de seis milhão de dólar' (sic), me puseram o apelido."
A trajetória de Milhão é similar à de uma profusão de jogadores registrados como profissionais.
Em 1991, ele ingressou nos juvenis do Rio Grande. No ano seguinte, já posava nas fotos do time principal. Da ajuda de custo como amador, passou a receber dois salários mínimos por mês, equivalentes hoje a R$ 224.
"Comecei a pegar nome", lembra. Chegou à vice-artilharia da segunda divisão gaúcha, com 17 gols.
Em tempos de vacas mais gordas, passou a embolsar seis salários mínimos (R$ 672 atuais).
O sucesso durou até 1995, quando Milhão entrou em crise com seu clube de coração. Dirigentes dizem que ele passou a se dedicar mais à alentada boemia da região portuária do que aos treinos.
"Mentira, nunca fui de derrubar", diz o jogador, empregando o verbo com que designa o consumo excessivo de álcool.
Para se manter, Milhão voltou a trabalhar no Superporto de Rio Grande, arrumando fora dos navios as cargas que chegam e partem.
Ele corre 40 minutos todas as manhãs, bem cedinho. Mantém a forma -68 kg para 1,83 m de altura- que lhe assegura convites para brilhar em equipes amadoras.
É recompensado por uma delas com R$ 50 por jogo, em gramados ou na praia. Na última competição, ganhou tijolos, areia, cimento e telhas. Com o material, constrói uma casa nos fundos da dos pais.
Diz que aceita voltar para o Rio Grande, mas prefere outras equipes que, jura, o estariam sondando. Conta com um amigo empresário de atletas, um certo Jorginho, para jogar novamente futebol.
Mesmo não sendo muito organizado, Marcos Milhão guarda em local seguro no casebre do bairro popular Getúlio Vargas a carteira de trabalho de jogador. "Tenho estrela. Enquanto se vive, a ilusão não morre."
(MM)

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