São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
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Time mais antigo do país se mantém com 'vaquinha'

MÁRIO MAGALHÃES
DO ENVIADO A RIO GRANDE (RS)

Num fim de tarde de verão, três ovelhas pastam no gramado, mas o encarregado da manutenção do estádio Arthur Lawson, Antônio Chaves, faz um lamento enquanto rega o campo com uma mangueira:
"São poucas; só três ovelhas não dão conta da grama", diz, cercado de quero-queros, o funcionário do Sport Club Rio Grande.
Nem ele nem ninguém no clube sabe com certeza quando será a estréia na série C do Campeonato Gaúcho, a terceira divisão que, por constrangimento dos torcedores, é chamada por eles de "segundona", e não de "terceirona".
Deve ser no fim março -a Federação Gaúcha vai definir.
No ano passado, 96 anos depois de ser fundado e quase seis décadas após adotar formalmente o profissionalismo, o Rio Grande achava que, pior do que estava, não podia ficar.
Mas ficou: condenado por anos à segunda divisão, caiu para o último degrau do futebol do Estado.
Em dezembro, o sócio eleito para a presidência renunciou, ao se assombrar com a dívida de R$ 51 mil.
Na época, 800 sócios pagavam mensalidade de R$ 8,40 para frequentar as dependências sociais.
Para sobreviver e concretizar o sonho de um centenário sem interrupções no futebol, a diretoria estabeleceu um orçamento que torna o clube ainda mais amador, apesar de permanecer legalmente com o futebol profissional.
A folha de pagamento do time e da comissão técnica foi limitada a R$ 4.000 -o que Ronaldinho ganha do Barcelona a cada 9 horas, incluindo as de sono.
Por isso, o vice-presidente de futebol, Valdir Lima, tornou-se técnico não-remunerado.
Ex-jogador de 12 clubes, reserva de Falcão no Internacional campeão brasileiro de 79, o hoje comerciante Valdir também coordena as escolinhas.
Quase todos os jogadores vão ganhar um salário mínimo (R$ 112) neste ano. Dois ou três, mais experientes, podem chegar a R$ 500.
O "estouro" será viabilizado por sócios mais abonados, numa "lista de resistência", pagando no mínimo R$ 50 mensais.
O Rio Grande ainda se sustenta com o tipo de "vaquinha" que faziam seus fundadores alemães e ingleses -quase todos da elite rio-grandina, diz o pesquisador Alexandre Degani.
A média de pagantes nas partidas em casa não ultrapassa cem. A R$ 2 o ingresso, a renda é de R$ 200.
"Só de árbitros e taxas, gastamos R$ 1.200", reclama o vice-presidente de futebol, técnico e coordenador das escolinhas.
A situação é tão dura que o 1º vice-presidente, o também comerciante Alter Cruz, ex-jogador do Rio Grande conhecido como Cajuba, teme até os telefonemas e remessas da Federação Gaúcha.
"Eles mandam a conta de tudo, até de carta. O nosso débito na federação já é de R$ 5.000."
Dedicação
Na contramão das mazelas do futebol, os dirigentes se ufanam de um patrimônio crescente, de centenas de milhares de dólares, destinado a atividades sociais: piscinas, campos, churrasqueiras.
Num expediente que impede a alienação de propriedades para pagar dívidas do futebol, o Rio Grande as registrou em nome de uma fundação.
Ela evita dramas como o do Sport Club São Paulo, uma das três agremiações profissionais da cidade, que pode ter seu estádio leiloado para saldar dívidas.
Nenhum dirigente do Rio Grande nos últimos anos usou o clube como trampolim para carreira política. O dinheiro é escasso -mesmo se alguém quisesse, não haveria como se locupletar.
Por que tanta dedicação? Todos os dirigentes têm a mesma resposta: por amor ao clube e pelo orgulho do futebol quase centenário.
Hoje, porém, a prioridade é o lazer dos sócios. "O futebol está morrendo, mas temos um patrimônio", diz Valdir Lima.
Então por que não participar só de torneios amadores?
"Porque a paixão do torcedor nos motiva, queremos ver o clube disputando. É a nossa tradição, ninguém aceitaria parar."
A lastimar, para Valdir, só uma hérnia de disco que insiste em incomodá-lo. "Senão, aos 43 anos, eu entraria em campo, nem que fosse num só tempo, para ajudar o Rio Grande a seguir em frente."
(MM)

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