São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
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Sociedade "adota" órfãos do Estado

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Vestindo camisetas amarelas, voluntários percorrem bairros de cidades mineiras num "arrastão" em busca de crianças que estão fora da escola. Se faltam classes, elas serão ensinadas nas igrejas ou nos salões de festas.
Em Fortaleza, meninas das periferias mais pobres estão se afastando das ruas e da prostituição motivadas por uma escola que ensina dança e oferece cuidados de saúde.
Em Manaus, São Paulo ou Rio de Janeiro, grupos da sociedade civil oferecem comida, educação ou abrigo para doentes.
Em todos os casos, os voluntários estão fazendo o que -de acordo com a Constituição- seria papel do Estado.
Inconformados com a inércia do Poder Público, profissionais liberais, empresários ou donas-de-casa estão formando grupos e assumindo as rédeas de um processo que chamam de "resgate da cidadania". "Entre as causas do surgimento desses grupos está a falência do Estado", diz Omar Ribeiro Thomaz, antropólogo do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
"Estamos nos dando conta que não é da natureza do Estado dar conta de tudo", afirma Demóstenes Romano Filho, 55, que deixou o jornalismo para comandar os "arrastões" das crianças sem escola em Minas.
"Não significa que o Estado poderá abrir mão de suas funções", diz. "Ao contrário, ao assumirmos nosso papel, poderemos ser exigentes com o Poder Público."
Romano Silva acredita que a sociedade vai se sentir com direito, por exemplo, de processar o Estado pela falta de vagas nas escolas e "pela humilhação das filas ou sorteios de vagas", como ocorre no Estado de São Paulo.
O que ocorria antes, diz Romano, era um pacto de conveniência entre sociedade e governo. "Ninguém fazia nada e ninguém cobrava nada", diz.
Gigantes e pequenos
Os grupos pró-criança vão desde megainstituições, como a Fundação Ayrton Senna, de São Paulo, que atinge mais de 10 mil crianças, ou os salesianos (35 mil em todo o país), até pequenas, como a Sociedade Pró-Hope, também de São Paulo, que abriga 18 crianças que fazem tratamento contra o câncer.
"A gente percebe que precisa fazer alguma coisa. A única forma de essas crianças conseguirem tratamento é com a ajuda da sociedade", diz Cláudia Bonfiglioli, presidente da Sociedade Pró-Hope, que abriu sua primeira casa-abrigo em setembro do ano passado.
Custeados por doações de pessoas físicas ou empresas, o desafio para esses grupos agora é buscar o profissionalismo para sobreviver. "Sem profissionalismo, eles não conseguem mais se manter", diz a médica Maria Eugênia Lemos Fernandes, que dirige a Associação para a Saúde da Família.
A associação ajuda a treinar profissionais para tornar as ONGs eficientes. Elas precisam, por exemplo, manter uma contabilidade à prova de auditorias e uma credibilidade à prova de suspeitas, diz.

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