São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
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Gabriel Villela estréia no mundo da moda

JACKSON ARAUJO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O diretor de teatro Gabriel Villela, 37, é mineiro de Carmo do Rio Claro. Seu mais recente trabalho, "O Sonho", de Strindberg, está em cartaz até amanhã no teatro Sesi de São Paulo. Conheça as opiniões do encenador sobre moda e saiba como é o trabalho que ele faz para a marca mineira Patachou, que desfila amanhã, às 16h30, na sala Café, do MorumbiFashion Brasil.
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Folha - Como é este trabalho para a Patachou?
Gabriel Villela - Tem um dado surpresa que eu não vou contar. Mas antes de tudo ele foi pensado a partir da cartela de cores da coleção, que é inspirada nas procissões e liturgias religiosas de rua de cidades como Ouro Preto. Em comum a isso tem a estética do barroco, que trabalho no teatro. A Patachou não quer uma concepção teatral, mas uma coisa que fizesse sentido para apresentar a coleção. Uma verdade cultural. O que vai acontecer é um desfile extremamente simples, em que as modelos vão desfilar em cima de serragem e flores características das procissões.
Folha - Como sua estética está agregada a este trabalho?
Villela - Sobretudo este condicionamento à cultura mineira, este conceito de diferenciar mineirice, tudo o que é pejorativo, da mineiridade, que é a indústria cultural das raízes. O que acho mais bonito é a Patachou buscar a referência cromática dentro do Brasil, numa manifestação que acontece nas ruas. A moda dela é uma moda de rua e, de repente, poder tirar tudo do chão é maravilhoso. O trabalho é delicado, artesanal, carinhoso. Tento reproduzir no chão, na serragem, as cores da cartela.
Folha - Você se importa com a moda?
Villela - Se eu disser que não, estou sendo hipócrita. Na moda, estão implícitas as tendências comportamentais e psicológicas da sociedade. Como artista, se eu não observar isso, acabo ficando defasado. Nela, tem todos os arquétipos do mundo. A moda é cíclica e dinâmica. E o fato de ela ser dinâmica é porque o homem muda de cara a cada estação. Eu não sei me vestir. Só uso botinas e calça jeans. Admiro os estilistas, pois são parabólicas de tudo o que está acontecendo com o homem. Saí da Patachou na primeira reunião em frequência com o mundo. A moda não é fútil como se pensa por aí. Às vezes ela veste uma caixa d'água vazia -o que é que a gente pode fazer? Mas às vezes veste um tonel de carvalho com o melhor malte escocês. Aí sim ela tem conteúdo. Os estilistas são tentáculos de sensibilidade que captam a evolução do homem.
Folha - Que roupa você está vestindo agora?
Villela - Você quer saber mesmo? (risos) Estou na cama, de cueca Calvin Klein.
Folha - Você acha que existe preconceito da chamada elite intelectual em relação à moda?
Villela - Não sei, pois não faço parte dela. Posso até ser um produto dela. A elite intelectual é insuportável a qualquer tema. Como nunca liguei para ela... Mas há uma discriminação, sim. No MorumbiFashion, por exemplo, quando fui ver a sala do desfile, disse para uma pessoa da organização que eu era mineiro. E ela perguntou: "Cadê o pão de queijo?" Ele não é intelectual, mas também tem preconceito. Por outro lado, a intelectualidade tem capacidade de entender estes tentáculos que, por sua vez, alegorizam, materializam e personificam as tendências psicológicas do ser humano.
Folha - Você acredita em moda brasileira?
Villela - Acredito em tudo o que é brasileiro. Mais que isso: acredito que o Brasil está na moda. Lamentavelmente, está na moda não só pelo lado maravilhoso, mas também pelo seu lado trágico. O Brasil vai deixar de ser modismo e vai ser sinônimo de modernismo para todo o mundo.

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