São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
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'Moedas podres' afetam lucros dos bancos

MILTON GAMEZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Todos cheiram a prejuízo, mas nem todos os esqueletos são iguais nos armários do mercado financeiro. É o que demonstram os balanços dos bancos publicados nas últimas semanas.
Para os banqueiros, tirar um esqueleto do armário significa trazer à luz "micos" e prejuízos que estavam escondidos nas letrinhas e números miúdos dos balanços anteriores -coisas como empréstimos que jamais serão pagos e "moedas podres" (papéis de difícil recebimento).
Se o banqueiro for público e corajoso, a ossatura reverte-se em um buraco enorme para ser tapado pelo contribuinte. Se for privado e cauteloso, a "moeda podre" pode virar ouro puro.
No caso do Banco do Brasil, históricas ossaturas foram finalmente sepultadas e, nos dois últimos balanços anuais, contabilizadas em forma de prejuízos da ordem de R$ 12 bilhões -dos quais R$ 7,525 bilhões em 96. Sem os esqueletos, espera-se, o BB voltará a ter lucros saudáveis. No segundo semestre de 96, o resultado já foi positivo em R$ 255 milhões.
Já os grandes bancos privados, como Bradesco, Itaú, Real e Safra, apuraram lucros brutos (antes dos impostos) superiores a R$ 1 bilhão em 96 ao livrarem-se de créditos duvidosos contra o FCVS, um fundo criado para cobrir os subsídios dados aos mutuários do Sistema Financeiro da Habitação.
Esses bancos venderam a "moeda podre" para instituições quebradas que tomaram empréstimos do Proer, o programa oficial de fortalecimento do sistema bancário. As instituições -caso dos bancos Nacional e Econômico- compraram os créditos pelo seu valor de mercado (entre 35% e 50% do valor de face) e entregaram ao Banco Central para cobrir o rombo que haviam deixado. O BC recebeu os títulos pelo valor de face, exigindo 20% a mais para cada real emprestado. No futuro, acertará suas contas com o Tesouro.
No final das contas, como os bancos vendedores haviam sido cautelosos e tinham feito reservas contra as perdas do FCVS, o dinheiro recebido virou lucro de verdade.
Outros bancos, privados e públicos, que carregam FCVS sem coberturas integrais nos seus balanços, não puderam aproveitar a chance criada pelo Proer -e continuam com seus esqueletos.
Não foi o caso do Bradesco. O maior banco privado do país apresentou um lucro recorde de R$ 824,5 milhões em 96. Na divulgação do balanço, o presidente Lázaro de Mello Brandão estimou que um terço do lucro foi resultado da venda de créditos de R$ 1 bilhão contra o FCVS.
Com a operação, a rentabilidade do patrimônio líquido do banco ficou em 15,1%, a maior desde 89, quando atingiu 21,6%.
O Banco Real, por sua vez, lucrou R$ 337 milhões, após os impostos, dos quais R$ 190 milhões (56%) vieram da venda de FCVS. O restante do lucro foi obtido pela maior cobrança de tarifas sobre serviços bancários e administração de fundos de investimento, além de recuperação de créditos e cortes de gastos, segundo o diretor Renê Aduan.
No caso do Safra, R$ 40 milhões do lucro líquido de R$ 176,1 milhões tiveram origem na venda dessa "moeda podre", segundo o presidente Carlos Alberto Vieira.
O Banco Itaú, que lucrou R$ 602 milhões, preferiu usar a receita de R$ 497 milhões com o FCVS para tirar outros esqueletos do armário: gastou R$ 120 milhões para ampliar provisões contra devedores duvidosos, R$ 240 milhões para amortizar a compra do Banco Francês e Brasileiro e R$ 40 milhões para compensar depreciações patrimoniais.

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