São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
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Surdo-mudo sonha com título mundial

EDUARDO OHATA
COLUNISTA DA FOLHA

À primeira vista, o peso-médio Dílson Dutra, 21, que estréia na quinta rodada do torneio de boxe amador "Forja de Campeões", no próximo dia 4, no ginásio Baby Barioni, em São Paulo, é um lutador comum. O jovem paranaense, no entanto, é surdo-mudo.
Dílson sonha em repetir o feito do ex-boxeador Mario D'Agata, também surdo-mudo, que conquistou um cinturão mundial.
"Quero ser campeão", afirma Dílson, em linguagem gestual. "Meu pai ficaria muito orgulhoso de mim."
O pai do lutador, Mário Dutra, morreu há dez meses, pouco depois que o filho começou a frequentar uma academia de boxe.
"Desde pequeno, nós sempre assistíamos juntos às lutas pela televisão", revela, emocionado, o pugilista. "Quando eu subir ao ringue, sei que ele estará comigo", completa.
Adaptação
"Todas as providências possíveis para evitar acidentes foram tomadas", afirma Rinaldo Mergulhão, 56, treinador de Dílson. "Alertamos a Federação Paulista de Pugilismo sobre esse problema que o nosso lutador tem."
Para que Dílson não desfira qualquer golpe após o final dos assaltos, o que poderia desqualificá-lo, os árbitros foram instruídos a dispensar especial atenção ao atuarem nos combates do lutador.
"Assim que o gongo soar, indicando o final do assalto, o juiz se colocará entre os lutadores", esclarece Newton Campos, presidente da federação.
"Aliás, isso é até comum. No calor da luta, é um fato normal os novatos continuarem a trocar golpes após o término dos assaltos."
Caretas
Assim como os árbitros, Mergulhão também teve que se adaptar à condição especial do pugilista.
"No início foi difícil entender sua linguagem de sinais", afirma o treinador. "Mas agora eu já estou totalmente habituado e até aprendi algumas palavras na linguagem gestual."
Para se comunicar com o atleta, o técnico foi obrigado a exercitar sua veia artística.
"Quando abro mais os olhos, é porque estou pedindo maior atenção", ensina o técnico.
"E quando ele aplica determinada técnica de maneira errada, eu começo a gesticular e a fazer caretas para avisá-lo."
Se o pugilista corresponder às expectativas e vencer o torneio, Mergulhão planeja construir um aparelho para alertar Dílson sobre o término dos assaltos.
"Já conversei com um engenheiro sobre o projeto. "Seria um aparelho ativado por controle remoto e que, alojado na parte posterior do protetor genital, emitiria uma leve descarga elétrica."
Determinação
Há cerca de um ano, Dílson deixou a cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, onde trabalhava na lavoura, no sítio de sua família.
À procura de uma escola para deficientes auditivos, mudou-se para Guarulhos, em São Paulo, onde morava uma de suas irmãs.
Logo começou a frequentar a academia da Associação dos Servidores Municipais de Guarulhos, comandada por Mergulhão.
Quando o técnico passou a dar aulas no Coliseu Boxe Center, Dílson o acompanhou.
Hoje, o lutador mora na academia. "Às vezes, eu acordo de madrugada para treinar", diz.
Dílson já participou de cinco lutas não-oficiais. Venceu quatro, por nocaute, e empatou uma, contra o meio-pesado Edimilson Lima Santos, o "Maguilinha" -filho do peso-pesado Adilson "Maguila" Rodrigues.

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