São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
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Mosquitos resistentes podem ajudar no controle da malária

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A malária é a mais prevalente doença humana transmitidas por insetos. Por mais que as autoridades sanitárias se empenhem, ela continuará sempre assim porque seu agente, o plasmódio, e seu transmissor, o mosquito anofelino, têm capacidade genética de desenvolver resistência aos meios de controle que a medicina tem inventado.
No fim da década de 60, Chris Curtis, de Liverpool, sugeriu maneira radical de acabar com a doença: a substituição dos atuais transmissores por mosquitos que rejeitassem o agente da malária.
Se eles próprios não se infectassem não poderiam transmitir a moléstia. A idéia, apesar de à primeira vista absurda, foi, todavia, aceita pela ONU e por duas organizações financiadoras de projetos sanitários, que se dispuseram a investir milhões em pesquisas.
Um dos resultados dessas investigações é de Frank Collins, em Washington. Há dez anos ele criou, e ainda cria, uma raça de Anopheles incapaz de transmitir a malária. Pesquisando a causa dessa anomalia, descobriu que estava num gene que interferia no ciclo do micróbio.
Quando o anofelino pica um doente, ingere com o sangue do inseto várias formas do plasmódio, inclusive sexuais.
Essas formas se conjugam e produzem um ovo móvel, o oocineto, que atravessa a parede do intestino do inseto e evolui, produzindo milhares de esporozoítos que vão se localizar nas glândulas salivares, ficando prontas para penetrar no sangue de uma pessoa picada pelo inseto infectado.
Acontece que nos mosquitos de Collins o oocineto não evolui, mas é envolvido por uma cápsula e degenera. A carreira do plasmódio fica, assim, cortada pelo meio, incapacitando o inseto de transmitir a malária.
A fabricação da cápsula depende de genes que foram mapeados e estão para ser clonados. Cria-se, assim, nos mosquitos dessa raça uma refratariedade natural contra o plasmódio.
O próximo passo consiste em criar artificialmente esse estado refratário pela inserção dos genes adequados nos mosquitos. Essa tarefa afeta a Julian Crampton, que tem se valido de experiências feitas em drosófila (a mosquinha dos geneticistas) e na mosca doméstica. Ele não hesita em afirmar que atingirá o alvo com o auxílio da engenharia genética.
Crampton e colaboradores estão experimentando uma outra estratégia: tornar os mosquitos refratários ao plasmódio. As várias formas de plasmódio são marcadas por proteínas distintas. Extraindo-as e injetando-as em camundongos, conseguem que estes produzam anticorpos (substâncias específicas de defesa), que são ativados pelos plasmódios. E um parasita revestido por esses anticorpos é incapaz de infectar o mosquito.
O plano consiste em forçar os insetos a fabricar genes produtores de anticorpos na hora em que o mosquito suga o sangue. O gene já foi clonado e espera-se para breve a produção dos elementos de controle.
Depois de atingidas as metas acima, será preciso soltar os mosquitos com os novos genes em meio às populações naturais, para substituir seus genes pelos novos. Trabalho ingente, que já se acha em estudo. Duas estratégias estão sendo consideradas.
Esperam os otimistas que, após tanto esforço, tenhamos um mundo livre de malária, esse flagelo que anualmente mata de 1 milhão a 8 milhões de pessoas e produz doença entre 300 milhões e 500 milhões de pessoas.

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