São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
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Crise coreana ameaça estabilidade da Ásia

TAD SZULC
DO "INTERNATIONAL PRESS SYNDICATE",

em Davos (Suíça)
Um alto funcionário ministerial norte-coreano que, na conferência do Fórum Econômico Mundial, realizada em Davos (Suíça) no início do mês, lançou um apelo por investimentos privados de capital em seu país abalado pela fome e pela miséria, foi um símbolo da intensa luta política interna que está sendo travada em Pyongyang.
Mas seu apelo também coincidiu com uma divisão acentuada de visões no interior do governo dos EUA e do Congresso norte-americano sobre a conveniência de se ajudar a Coréia do Norte a superar a fome por razões humanitárias e de políticas de longo alcance, ou aproveitar a fome para acelerar a queda do regime de Kim Jong-il.
O resultado de ambas as discussões internas, sendo que a segunda vai afetar diretamente a primeira, certamente irá definir não apenas o futuro da Coréia do Norte e de seus 24 milhões de habitantes, mas também a estabilidade do leste da Ásia em geral.
É evidente que os riscos são imensos para todos os envolvidos, incluindo os EUA e seus interesses de segurança nacional; para início de conversa, os EUA, 44 anos após o final da Guerra da Coréia, ainda mantêm 37 mil militares estacionados na Coréia do Sul, ao sul da linha do armistício.
Deserção
A fuga, há 11 dias, de Hwang Jang-yop, o principal ideólogo do Partido dos Trabalhadores norte-coreano (comunista), trouxe à tona, de maneira espantosa, as profundas divisões existentes no establishment de Pyongyang. Hwang, 74, é membro do Comitê Governante Central do partido e foi professor de Kim Jong-il na universidade.
No início do mês surgiram indicações de que, pela primeira vez, estavam aumentando as tensões internas na Coréia do Norte, enquanto o país se preparava para comemorar o 55º aniversário de Kim Jong-il, no domingo passado. Estudantes da Universidade de Pyongyang, por exemplo, prometeram transformar-se em "bombas humanas" para protegê-lo de inimigos não-identificados.
A ameaça soou grave, mesmo pelos padrões norte-coreanos normais de retórica, sugerindo que Kim Jong-il possa estar sofrendo crescentes pressões da linha-dura stalinista no país, que se opõe até mesmo a um mínimo de liberalização econômica.
A atual crise norte-coreana parece estar atingindo seu clímax, e o consenso entre os diplomatas presentes em Davos e que acompanhavam esse drama em andamento era que, se Washington não der prosseguimento às políticas construtivas que aplicou no ano passado, o resultado pode ser uma catástrofe na península coreana.
E o tempo está se esgotando -mesmo com o racionamento rígido de alimentos, a Coréia do Norte só tem estoques para mais três meses, e a próxima colheita só virá no final de setembro.
Alarme
Enquanto Kim Jong U, 55, o afável economista que preside o Comitê de Promoção da Cooperação Econômica Externa, num jantar em Davos e em conversas com jornalistas, explicava os benefícios de investimentos em uma zona econômica de livre comércio na Coréia do Norte, os sinais de alarme soavam em Pyongyang e em outras capitais.
Numa admissão inusitada, a agência oficial de notícias norte-coreana "KCNA" revelou as dimensões da fome: após dois anos de enchentes monstruosas, o país tem apenas metade dos grãos necessários para alimentar sua população -2,5 milhões de toneladas, em lugar de 5 milhões, estimativa confirmada em Washington pelo diretor interino da CIA, George J. Tenet.

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