São Paulo, terça-feira, 25 de fevereiro de 1997
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Soluções são originais

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Os eleitores da Academia de Hollywood têm sido ridicularizados por críticos de cinema nos EUA por terem indicado Kenneth Branagh para o Oscar de melhor enredo baseado em texto já publicado, por "Hamlet". Afinal, argumentam eles, Branagh praticamente não mexeu no texto da peça de William Shakespeare.
Isso a tornou a segunda produção mais longa da história de Hollywood (238 minutos, só cinco a menos do que "Cleópatra", de Joseph Mankiewicz, de 1963).
Mas, apesar de respeitar a íntegra do texto de Shakespeare, Branagh o modifica muito, na maneira como concebe visualmente a peça, encenada pela primeira vez em 1602. Por exemplo, a ambientação, concebida por Shakespeare para o século 13, pula para a segunda metade do século 19. Isso dá a Branagh a chance de tornar um pouco contemporâneo o drama sem tornar absurda (como no recente "Romeu e Julieta") a utilização do inglês original da Idade Média.
A ação se desenrola principalmente na sala do trono do reino da Dinamarca, com paredes e portas espelhadas. O cenário enfatiza o claro objetivo de Branagh de fazer um "Hamlet" muito menos introspectivo do que a maioria de suas outras encenações, em especial as contemporâneas, que costumam ressaltar o drama psicológico em vez do político.
Diferentemente da versão de 48, em que, por exemplo, a maioria das falas foi transformada em monólogos, tudo no filme de Branagh (sua própria interpretação de Hamlet, em especial) conduz ao confronto de personalidades.
Branagh consegue criar soluções originais para realçar sua interpretação do clássico até para a talvez mais famosa sequência da história do teatro, o "ser ou não ser", dito por Hamlet em frente a um espelho da sala do trono, o que preserva a sua evidente condição de dúvida interna, mas sem que o personagem saiba estar sendo observado, do outro lado do espelho por seus inimigos, o que dá outra dimensão ao célebre monólogo.
Mas nem tudo funciona tão bem nas novidades que Branagh introduz para atrair a atenção do público do final do século 20 para Shakespeare.
O fantasma do pai de Hamlet é um pouco ridículo, alguns efeitos especiais são desnecessários, pelo menos três superastros convocados para aumentar a curiosidade dos espectadores estão claramente deslocados (Jack Lemmon, Gerard Depardieu e Robin Williams).
Mas, no geral, o filme consegue seduzir os que se arriscam a enfrentar quatro horas nas cada vez menos confortáveis salas de cinema atuais.
A direção de Branagh, os cenários de Tim Harvey e Desmond Crowe e a cinematografia (em 70 mm) de Alex Thomson ajudam muito, assim como o notável desempenho dos principais atores: Branagh, Derek Jacobi (Claudius), Julie Christie (Gertrude), Kate Winslet (Ofélia) e Charlton Heston (Primeiro Ator).

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