São Paulo, quarta-feira, 26 de fevereiro de 1997
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Ecologista aprova o "american way of life"

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Eram 15h30. Ao cruzar a Main Street da tediosa Lincoln, no Nebraska, com seu embrulho debaixo do braço, o ecologista ia pensando: "Na Inglaterra, eles sempre preferiram agir à moda de Jack, o Estripador. Na Alemanha o fazem por racismo. Na Bélgica, agora, deram para abusar sexualmente de crianças..."
Embora o sol tivesse tratado de espichar as sombras e transformar as folhas secas espalhadas pelas ruas em medalhões de ouro, ele sentia na nuca um vento quase sólido, que insistia em socá-lo. Para penetrar com maior eficiência o muro de ar frio, ele tomou uma forma mais aerodinâmica.
Com o corpo arqueado para a frente, cabisbaixo, ele continuou sua caminhada a passos cada vez mais aflitos: "Aqui, nos Estados Unidos, não. Aqui existem outras modalidades..."
Passou pelo parque municipal, depois pela prefeitura. Ao chegar à esquina das ruas Elm e Oak, ele avistou a torre da igreja. Parou para admirá-la e percebeu que sua respiração estava acelerada. "Preciso ficar calmo. Hoje tenho uma tarefa importante a cumprir".
Ao entrar na rua da igreja, o ecologista percebeu um homeless de olhar fixo sobre seu embrulho. Sem que o sem-teto se desse conta, ele comprimiu o desajeitado pacote contra o peito.
Feito a lebre da fábula, ele então acelerou o passo e deixou o "mendigo-tartaruga" para trás. "Será que ele percebeu qual é a minha missão? Será que o homeless entendeu o que eu preciso fazer?"
Finalmente, ele chegou à igreja. Deu a volta por fora e foi até a porta da torre. Estava aberta, do jeito que ele a tinha deixado na noite anterior. Subiu até o topo, pulando de dois em dois degraus.
Lá em cima, procurou a grande escultura com o "eme" amarelo. Assim que a encontrou, sentou-se no chão e começou a desembrulhar as partes de uma Uzi desmontável. Metralhadora armada, ele mirou e, antes de atirar contra a janela da loja de fast food, pensou: "Alguém tem de limpar o mundo e eu fui o escolhido. Pessoas que comem fast food são as que mais ofendem a Deus, as que mais emporcalham o mundo. Elas têm de ir". Assim como o sujeito que matou um turista, feriu seis e se suicidou no último domingo, no Empire State Building, o ecologista começou a atirar. É o jeito americano.

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