São Paulo, quarta-feira, 26 de fevereiro de 1997
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Teles: o debate antes do confronto

WALTER PINHEIRO

Independentemente do julgamento final que o STF venha a dar à ação impetrada pelo PT e pelo PDT, já existem fatos suficientes a somar à já longa série de entreveros que vêm atrasando a reorganização institucional e empresarial das telecomunicações brasileiras que justifiquem o início do debate e o fim do solilóquio empreendido pelo governo.
Como brechas para ações jurídicas sempre existem, e como sempre será possível encontrar um advogado, um promotor ou um juiz disposto a encaminhar ou acolher algum tipo de ação, temos e continuaremos a ter um clima de perpétua insegurança no ordenamento político e jurídico das telecomunicações brasileiras. Essa insegurança não interessa nem aos trabalhadores nem aos investidores privados, muito menos ainda aos investidores estrangeiros.
Por que tudo isso? Porque sucessivos governos, desde os tempos do presidente Sarney -e o governo atual mais do que todos os seus antecessores-, tratam a política de telecomunicações de modo fechado, arbitrário, autoritário, discutindo-a apenas com um pequeno e fechadíssimo grupo de grandes empresários, com técnicos de terceiro escalão do Banco Mundial, com funcionários da Secretaria do Comércio dos EUA e com misteriosos consultores internacionais. Nada mudou nos métodos do Ministério das Comunicações, desde o tempo da ditadura militar.
A alternativa a essa permanente insegurança é o debate aberto e franco, preocupado não em redigir apressadamente leis que atendam às vontades deste ou daquele investidor (e às imposições humilhantes do governo dos EUA), mas em construir regras sólidas e duradouras para a atuação das empresas e, também, do nosso governo. Isso pode levar algum tempo.
Ora, os EUA levaram dez anos reorganizando institucionalmente as suas telecomunicações, por meio de leis e decisões judiciais, até chegarem ao pacto expresso no "Telecommunications Act" de 1996. A França também vem reconstruindo legalmente o seu sistema há dez anos, tendo agora uma lei, aprovada em julho de 1996, que reforma outra, de dezembro de 1990. A mesma coisa na Alemanha e no Japão.
Aproveitando a experiência já acumulada e os resultados obtidos nesses países, adaptando-os à realidade brasileira (caracterizada por extraordinárias desigualdade sociais e regionais), será que não podemos "perder" um ano ou dois formulando um sistema legal sólido para as nossas telecomunicações, que possa contemplar os distintos interesses, com ganhos e perdas igualmente distribuídos entre todos? Assim se constrói uma democracia.
O modo como age o sr. Sérgio Motta faz dele, ao contrário, um digno ministro de Geisel ou Figueiredo. E os PSDBs, PFLs, PMDBs e quejandos que o apóiam sem exame e sem contestação parecem nos trazer de volta os tempos da velha Arena.
O PT tem uma proposta, e queremos discuti-la. Fizemos até um projeto alternativo, que agora dorme na gaveta de algum relator de comissão da Câmara. Achamos possível conciliar o ambiente de abertura e competição que hoje se busca nas telecomunicações com um conjunto rigoroso de salvaguardas sociais, que proteja do darwinismo do mercado as demandas públicas e nacionais.
A palavra "rigoroso", aí, é importante. O atual projeto de Lei Geral das Telecomunicações do governo está, nesse campo, cheio de boas intenções, mas, quando o comparamos com a legislação em vigor na França, na Alemanha ou mesmo nos EUA, percebemos que poderia ser muito mais exigente.
Queremos também discutir essa proposta absurda de fatiar o sistema Telebrás. Nenhum país sério do mundo está fazendo isso. França, Alemanha e Espanha estão todos abrindo suas telecomunicações à concorrência, mas, ao mesmo tempo, estão transformando seus antigos monopólios em empresas musculosas, capazes de enfrentar a competição nos seus mercados internos e de disputar novos mercados no mundo. Exemplos: France Télécom, Deutsche Telekom, Telefónica de España.
Como toda grande operadora, a Telebrás detém (graças ao CPqD, em Campinas) tecnologias de projeto e fabricação de centrais de comutação digital, de sistemas de transmissão ótica (fibras óticas e boa parte da parafernália que a envolve), de sistemas de telefonia pública (o telefone a cartão).
Geradora de tecnologia e constituindo-se num gigantesco mercado comprador, a estatal brasileira (como a France Télécom, a Deustche Telekom e a AT&T) fomenta à sua volta uma grande e diversificada indústria de teleequipamentos, reunindo empresas nacionais e estrangeiras que geram empregos no Brasil, pagam impostos no Brasil. Por que vamos entregar esse mercado de graça para os franceses, espanhóis ou norte-americanos?
Que venham eles! Que tragam os seus sistemas, que dêem empregos, em seus países, aos seus cientistas, aos seus técnicos e aos seus operários. Tudo bem. Mas que a Telebrás também possa participar desse jogo.
Para tanto, ao invés de ser fatiada, a Telebrás precisa, sim, ser reorganizada e unificada. A holding, suas subsidiárias e a Embratel devem ser incorporadas numa única e grande empresa, do tamanho do Brasil, com suficiente autonomia empresarial e financeira para encarar o mercado de frente.
Ter ou não ter um grande operador nacional é hoje uma decisiva distinção entre país de primeiro mundo e país rebotalho. Sobre tudo isso, precisamos sentar à mesa e conversar. Em vez de continuarmos nos encontrando nas barras dos tribunais.

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