São Paulo, quarta-feira, 26 de fevereiro de 1997
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Os buracos do futuro

GILBERTO DIMENSTEIN

Preocupados com a sobrevivência no mercado de trabalho, os americanos desenvolvem um novo tipo de mutirão. Velhos, jovens e crianças passam os finais de semana abrindo buracos em paredes.
Foram apelidados de "buracos de futuro". Por eles passam fios que conectam as salas de aula à Internet, a rede mundial de computadores. A moda pega em centenas de cidades.
Os mutirões simbolizam o esforço da sociedade, perseguindo uma das mais acalentadas prioridades nacionais. Ninguém deveria ficar sem acesso ao computador.
É considerado ingrediente indispensável ao que eles chamam "ponte para o século 21". Há no ar um clima de campanha cívica, lembrando os movimentos pelos direitos civis que tiraram da categoria de seres inferiores negros e mulheres.
Falta de acesso a computadores produz a nova definição do analfabeto. Vira cidadão de segunda classe, desprovido do direito à prosperidade pessoal; algo parecido aos limites impostos aos negros por leis racistas ou a proibição de voto às mulheres.
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O debate em torno da compra de 100 mil computadores pelo Ministério da Educação é prova de que estamos metidos nos buracos do atraso.
Educadores protestam; consideram que, neste momento, informatizar as escolas públicas não é prioridade. Falta de visão de mundo e desconhecimento sobre as novas exigências do mercado de trabalho numa economia globalizada.
O problema essencial é saber se o governo vai assegurar o treinamento dos professores. Motivos para suspeitas não faltam. Basta ver os desperdícios, provocados por falta de treinamento, da TV Escola, projeto de US$ 70 milhões. Distribuíram aparelhos de televisão com aparelho de vídeo para escolas.
Segundo estudo do próprio governo, revelado pela repórter da Folha Daniela Falcão, metade das escolas não usa os aparelhos, muitos deles roubados.
Imagine, então, como vão ser usados -ou melhor, não usados- os computadores, sem treinamento dos professores.
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PS - Por falar em buracos do atraso, há um caso ocorrendo nos bastidores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo que, fosse nos EUA, viraria caso nacional.
Pela primeira vez uma mulher (e, ainda por cima, nordestina), Maria Irma Duarte, conseguiu vencer concurso para vaga de professor titular.
Logo depois de passar no concurso, tiraram seu laboratório, e, agora, setores da faculdade querem impedir sua posse, caçando firulas jurídicas. Segundo relato de respeitáveis professores, no passado judeus já viveram constrangimento semelhante naquela faculdade.
Pitada de ironia: ela vai assumir a cadeira de patologia, ciência que aborda a origem e sintomas das doenças.

Fax: (001-212) 873-1045

E-mail gdimen@aol.com

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