São Paulo, quarta-feira, 26 de fevereiro de 1997
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O degelo da Antártida

AUGUSTO MARZAGÃO

E se a Antártida estiver realmente derretendo? As mudanças climáticas globais, geradas pelo chamado "efeito estufa", podem estar fundindo a imensa camada de gelo que cobre o continente polar. A organização ambientalista Greenpeace andou descobrindo indícios inquietantes nesse sentido.
Há uma tendência de aquecimento da região, que se manifesta sobretudo pelos verões mais longos. Nos últimos 50 anos, segundo as medições dos pesquisadores, a temperatura na península Antártica aumentou cerca de 2,5 graus Celsius. Não é pouco. Se essa tendência continuar -dizem os especialistas-, as consequências serão as mais graves, como a elevação do nível dos oceanos.
A Antártida reúne 70% da água congelada do planeta. Havendo um derretimento total, esse fantástico volume de água será despejado nos mares, e bem podemos imaginar, então, o cenário de transbordamento que nos espera.
Mas não é calamidade para o curto prazo, nos consolam os ambientalistas. Esses efeitos só serão percebidos dentro de mais de 40 anos. Para os sexagenários e septuagenários de hoje, o perigo só vai valer para filhos e netos, os quais certamente ficarão apostando numa grande cruzada ecológica, com vistas a corrigir o efeito estufa, recompor os buracos de ozônio e fazer uma faxina em todos os estragos que o homem contemporâneo, com seus superpoderes tecnológicos, tem conseguido produzir na sua morada cósmica.
A humanidade sempre viveu sob o signo do medo. O homem primitivo tinha todo um universo desconhecido e misterioso a que temer. O homem moderno encontrou explicações científicas para muito do que parecia sobrenatural, estabeleceu uma convivência com as forças desapoderadas da natureza, porém não só não explicou ou resolveu tudo como ele próprio se encarregou de criar novas fontes de pavor.
Estivemos à beira do holocausto atômico. A Guerra Fria terminou, o que não impede a permanência de uma dúzia de potências nucleares com os seus arsenais para qualquer emergência. Deixou de haver uma URSS sempre pronta para apertar o botão nuclear, mas o destino da Rússia liberalizada vive hoje sob as incertezas da precária saúde de Boris Ieltsin. E ainda nos sobram os Estados terroristas, agindo na sombra, sem nenhum compromisso com uma ordem mundial pacificada. E que dizer dos desastres atômicos, tipo Tchernobil?
Como se não bastasse, o homem engendrou o terror ecológico. Desflorestou, desertificou, converteu terras férteis em áreas infecundas, abriu caminho para as grandes e destruidoras enchentes, para as enormes erosões, para as agressões devastadoras à biodiversidade. Teve o poder de poluir a atmosfera, de esburacar a protetora camada de ozônio, industrializando e consumindo produtos ecologicamente mal administrados.
O fim do mundo tem sido um tema recorrente na tradição dos povos. Entretanto, na era moderna, fora das hipóteses do holocausto nuclear, as estimativas de prazo para o desaparecimento natural da Terra contavam-se em bilhões de anos. A conta já não é essa quando se fala, por exemplo, em degelo da Antártida.
O horizonte do encerramento da aventura humana fica visível demais, já dá para sentir na pele. Vamos torcer por um bruto erro de cálculo da ecossinistrose, ao mesmo tempo cruzando os dedos para que os predadores da natureza tomem juízo a tempo.

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