São Paulo, quinta-feira, 27 de fevereiro de 1997
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Direitos invadidos

JANIO DE FREITAS

Embora as invasões feitas pelos sem-terra representem o mais complicado problema do ministro Nelson Jobim, pela dificuldade de combinar providências preventivas ou repressoras e respeito aos direitos humanos e aos direitos civis, seu esforço de equilíbrio vinha conseguindo bom resultado -e envereda agora pelo desequilíbrio próprio da prepotência arbitrária.
A decisão de investigar, com a ajuda da Receita Federal, a origem do dinheiro que custeia a marcha dos sem-terra a Brasília é uma violência antidemocrática. Até este momento, a marcha não foi mais do que um exercício pacífico do direito de manifestação. A providência decidida pelo governo e a cargo do ministro Nelson Jobim, sobre não ser pacífica, quer ser um instrumento que inviabilize a manifestação e, com ela, o direito constitucional que a ampara.
Além disso, só poderá conduzir a algum efeito desejado pelo governo com outras violências. Nada proíbe que doações de apoio à marcha pacífica sejam feitas por integrantes do movimento dos sem-terra ou não. Mesmo que parte do dinheiro provenha de lavradores com financiamento oficial, nada os impede de fazer contribuição ao seu movimento. E nem ao menos se provaria que as contribuições para a marcha foram retiradas de financiamento oficial recebido.
Se fosse apenas idiota e inócua, a decisão do governo não estaria mais do que seguindo a linha de considerações emitidas pelo Ministério da Reforma Agrária. Segue, porém, uma linha de alcance mais extenso e cada vez mais nítida nas investidas do governo contra os princípios fundamentais da Constituição.
O generoso
O mesmo governo que determina a repressão aos sem-terra invasores de áreas rurais improdutivas vai, por mudança na legislação, legalizar as moradias feitas em áreas urbanas invadidas. O pretexto é permitir que, como proprietários regularizados, residentes de habitações pobres possam obter financiamentos oficiais. Na prática, os grandes beneficiários serão os que têm propriedades nos bons e nos luxuosos condomínios ilegais, hoje existentes em todas as cidades de porte médio para cima. Brasília deve ser recordista mundial nessa espécie de apropriação criminosa.
A idéia tão generosa, nem se precisaria dizer, provém do ministério de Antonio Kandir, o do Planejamento. E, tanto quanto uma solução para atos passados, contém uma sugestão para novos atos: o negócio é invadir já alguma área simpática, de bom tamanho e bela vista, e construir depressa uma casinhola.
Mais um slogan: invada que o governo garante -mas, olhe lá, desde que não seja para produzir, como querem os lavradores sem-terra.
Vergonhoso
Com a lucidez de sempre, o ministro Sérgio Motta acha que o governo tem feito bastante na área social, mas "a Saúde e a Educação estão uma vergonha". A lucidez não deu para explicar como é uma obra social que não inclui, exatamente, Educação e Saúde.

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