São Paulo, quinta-feira, 27 de fevereiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Essa estranha mania de combater a corrupção

ALOYSIO BIONDI

Há dois anos e meio, o governo brasileiro enviou uma missão de técnicos do Ministério da Fazenda e Banco Central aos EUA para fazer uma auditoria nas agências de bancos brasileiros e investigar remessa fraudulenta de dólares -que, por sua vez, sempre escondem escândalos com o superfaturamento, sonegação de impostos, ou mesmo esquemas de corrupção como as "negociatas com os precatórios".
A missão voltou ao Brasil com a estranha decisão de não combater as fraudes. Motivo, segundo relato do jornal "Gazeta Mercantil" de 4 de outubro de 1995 (isto é, um ano depois): os banqueiros "convenceram" o Banco Central e o Ministério da Fazenda de que a fiscalização iria "assustar" os investidores estrangeiros e "brasileiros" que estavam aplicando dezenas de bilhões de dólares no espantoso jogo de ganhar juros no Brasil. Em outras palavras, eles gostam do mercado brasileiro, sim, mas desde que haja liberdade para fraudes.
Um ano depois surgiu uma briga entre a Receita Federal e o Banco Central ("Gazeta Mercantil", 15 de outubro de 1995). A Receita Federal tinha chegado à conclusão que as remessas de dólares (e as negociatas e esquemas de corrupção) vinham sendo facilitadas pelas regras do Banco Central, principalmente em relação às operações chamadas CC-5.
Por decisão superior, isto é, do Ministério da Fazenda e do Planalto, o Banco Central ganhou a parada, isto é, a autorização oficial para as fraudes foi mantida. Para avaliar a extensão dessa conivência governamental com as fraudes, é preciso relembrar a incrível aberração que é o funcionamento das CC-5.
No final dos anos 60, o governo havia autorizado empresas estrangeiras (ou pessoas físicas estrangeiras) a remeter dólares para o exterior -desde que, atenção, tivessem trazido esse dinheiro do exterior.
O incrível ocorreu em 1992, quando o Banco Central autorizou os bancos estrangeiros a fazerem livremente remessas de saldos de que dispusessem em suas contas. Abriu as portas para as fraudes. A partir daí, qualquer empresa ou pessoa ganhou liberdade para depositar dinheiro em um banco estrangeiro, que o remete para o exterior, como se fosse um saldo "dele" (banco).
Assim, já antes do "escândalo" dos precatórios, o facilitário do governo para as remessas já tinha ficado claro em um sem-número de casos: Econômico, Nacional, PC-Farias e assim por diante.
Fraudes, corrupção, sonegação facilitadas deliberadamente por brechas na lei e falta de fiscalização. Por que, então, diria um cínico, essa mania tola de periodicamente denunciar esquemas de corrupção no país? Coisa mais desagradável. Incomodar deputados e senadores com pedidos de CPI e outras baboseiras? Isso não é "moderno".
Inexplicável - 1
Depois do caso PC Farias e do escândalo do Orçamento, o governo FHC criou a CEI -Comissão Especial de Investigação- para receber denúncias de corrupção, por parte de qualquer cidadão. Integrada por homens públicos respeitáveis, como ex-presidentes de tribunais superiores e juristas, a primeira investigação concluída pela CEI foi, exatamente, sobre a remessa de dólares.
Conforme reportagem desta Folha em janeiro de 1995, o relatório confirmava totalmente a conivência do Banco Central e, portanto, do governo, com as fraudes. Pouquíssimos dias depois, o novo presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, anunciou uma de suas primeiras decisões: extinguir a CEI. Exatos 13 dias após a posse. E a fiscalização das fraudes e combate à corrupção? Foram entregues a quem? Ao Ministério da Fazenda. Ele próprio.
Inexplicável - 2
Além das operações CC-5, o caso PC-Farias e escândalos subsequentes sempre mostraram, como mecanismo das fraudes, o uso de contas bancárias frias, mantidas com CICs falsos, de empresas ou pessoas fictícias.
A Receita Federal, em 1995, programou o recadastramento dos contribuintes para cancelar os CICs falsos e combater fraudes. Isso, em 1995. O recadastramento foi suspenso. A equipe FHC não liberou a verba para sua realização. De quanto? Míseros US$ 70 milhões. Para combater fraudes de bilhões de dólares e reais.
O "caso dos precatórios" não é um escândalo. É a rotina.

Texto Anterior: A esquerda em face da "globalização"
Próximo Texto: Esquenta a disputa pela Açominas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.