São Paulo, quinta-feira, 27 de fevereiro de 1997
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Intelectuais chamam à desobediência

BETINA BERNARDES
DE PARIS

Se em maio de 1968 o lema era "Quanto mais eu faço amor, mais eu faço a revolução", o lema deste fevereiro de 1997 parece ser "Eu amo meu amigo estrangeiro".
"Quando as leis são indignas, nós somos livres para desobedecer", disse à Folha a cineasta Tonie Marshall (do filme "Pas très Catholique").
Os primeiros cineastas a assinar a petição chamando à desobediência das leis sobre imigração na França eram, sobretudo, jovens.
A esse grupo se juntaram depois veteranos como Bertrand Tavernier. Da nova geração de "sismógrafos" das crises sociais, Mathieu Kassovitz, com o filme "O Ódio", é exemplo dos mais contundentes.
Chamados de "rebeldes do caviar" por partidários das leis de imigração, cineastas e escritores provaram, com a surpreendente adesão que seus apelos ganharam, que o fosso entre a intelectuais e população não era tão fundo.
"Não me considero uma elite, sou uma pessoa comum, eu e meus colegas dissemos o que pensamos e sentimos que houve um grande eco a nossas idéias", diz Marshall.
O que vai ser feito do movimento ainda é uma incógnita. Se as pessoas vão ou não desobedecer as leis, os artistas, escritores e intelectuais que estiveram na linha de frente não sabem.
Uma coisa é certa: eles prometem manter a vigilância em relação a "abusos" que "suprimam toda e qualquer forma de liberdade".
Vigilância e denúncia que marcaram as realizações artísticas em outros períodos da história. Na exposição "Face à l'Histoire", divida em quatro períodos cobrindo dos anos 30 aos 90, fica claro o engajamento militante do artista ou a distância e a dúvida diante dos acontecimentos.
Em "A Visão do Apocalipse", nome que recebeu o período de 1933 a 1945, são mostradas as reações ao triunfo das ditaduras particularmente na Alemanha, Espanha e ex-URSS, que colocou em causa a liberdade política e social dos criadores.
"Guernica", de Picasso, é um exemplo do engajamento pontual. A visão da guerra de Salvador Dali vem numa perspectiva surrealista, com "O Enigma de Hitler", de 38, e "O Rosto da Guerra", de 40.
"Os Sete Pecados Capitais", de Otto Dix, feito em 33, é uma denúncia do nazismo, assim como "A Partida", de Max Beckmann.
Após a Segunda Guerra Mundial, em "A Crise de Representação do Sujeito Histórico (1945-60)", a ansiedade substitui a convicção no artista e a veemência cede lugar à perturbação.
"Massacre na Coréia" (1951), de Picasso, e "Estudo para os Construtores" (1950), de Fernand Léger, se inserem no dilema em que se encontravam os artistas de 47 a 56: recusa de todo compromisso estético (contra a doutrina do realismo socialista) e exigência de legibilidade política.
Aqui, o artista denuncia a era da multiplicação de imagens na mídia. A Pop Art ganha força e Andy Warhol é o exemplo maior. A partir dos anos 70, o texto ganha corpo nas artes plásticas, como meio de decodificação da realidade social, com a desconstrução de imagens fotográficas de Conrad Atkinson e Victor Burgin.
A partir dos anos 80, a mostra "Da Pesquisa das Raízes de Identidade à Renovação da 'Protest Art"' deixa clara a interrogação sobre o papel do artista no mundo de hoje, seja com um movimento de volta ao passado verificado na Alemanha, Irlanda e nos países do Leste Europeu, seja com a evidência das contradições sociais presentes em tendência da "Protest Art" nos EUA e na América Latina.

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