São Paulo, sexta-feira, 28 de fevereiro de 1997
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A testemunha Nahoun

LUÍS NASSIF

A testemunha mais preciosa de que o Senado precisa para entender o mercado financeiro chama-se Fábio Nahoun. Desde esta semana ele é o dono de um banco liquidado -o Vetor, que organizou os lançamentos de títulos de Pernambuco e Santa Catarina- e que, por isso mesmo, nada mais tem a perder.
Nahoun diz ter vivido uma tragédia e uma alegria nos últimos dias. A tragédia -diz ele- foi ter perdido todo o patrimônio que tinha, que consistia em um banco de US$ 40 milhões de patrimônio, US$ 35 milhões em caixa e US$ 5 milhões de títulos patrimoniais, sem débitos, que figurava na classificação mais alta da Atlantic Rating.
A alegria foi ter tomado conhecimento da peça de acusação, na qual o Banco Central se baseou para liquidar a instituição. "Meus advogados estão dando cambalhotas, com o gol aberto e a bola quicando, para entrar com o pedido de indenização", diz ele.
A justificativa da liquidação se baseia em dois pontos, levantados por um procurador do BC. O primeiro, é o de que a comissão recebida foi maior que a taxa do papel. Ele recebeu 5,5% por papéis com prazos de quatro anos. Equivale a 1,34% ao ano. O papel rende 3,77% ao ano, conforme documento firmado pelo próprio BC.
O segundo argumento foi que o deságio do papel (0,5% acima da taxa over) estava fora de mercado, e que, depois, as operações foram sendo passadas de instituição a instituição até atingir seu preço de mercado. "Vai ser facílimo provar que o preço de mercado foi o que nós vendemos; quem comprou é que pagou o sobrepreço."
Constitucionalista
Na condição de quem nada mais tem a perder, Nahoun se dispôs a analisar e esclarecer todos os aspectos da operação à coluna.
"Os senadores criaram uma verdade que os satisfez. Não querem uma verdade que atrapalhe a verdade que já criaram", diz Nahoun.
Há dois momentos na vida do papel. O primeiro, quando o emissor -o Estado- faz um leilão de venda. O segundo, quando o papel é vendido por intermédio de várias instituições. Se a última instituição acreditava mesmo que o papel valia R$ 150, e topou pagar essa quantia por ele, o natural seria que participasse do leilão primário e comprasse o papel por R$ 100, direto do governo do Estado. Daria R$ 50 de lucro para seus cotistas.
Nahoun entrou nessa história quando foi chamado pelo governo de Pernambuco para assessorá-lo em uma operação de ARO (Antecipação de Receita Orçamentária).
Como era muito cara a operação, um de seus sócios lembrou que São Paulo e Alagoas haviam conseguido montar operação de lançamento de títulos, com base em precatórios.
Como nada entendia do processo, perguntou quem era o maior especialista do ramo. Wagner Ramos, funcionário da Prefeitura de São Paulo, disseram-lhe.
"Durante anos, ele foi ao BC cuidar dos processos de São Paulo. Tinha estudado todas as correções monetárias, os acórdãos do Supremo. Sabia como se fazia o pleito inicial à Assembléia Legislativa, como tinha que ser fundamentada a exposição de motivos", diz Nahoun.
Ramos havia feito sete operações gratuitamente para cidades vizinhas, a pedido do ex-prefeito Paulo Maluf, visando agradar os prefeitos. A primeira assessoria paga foi para Alagoas, contratado pela Divisa DTVM.
Funcionário público, Ramos aceitou a incumbência, mas solicitou que os pagamentos fossem feitos por intermédio da Perfil. "O Wagner, apesar de gênio do direito administrativo, cometeu o erro de não se declarar como Perfil. A Perfil não sabe nem calcular um precatório", diz Nahoun.
Divisão do bolo Havia duas formas de a Vetor ser remunerada pela operação. A primeira, a comissão paga. A segunda, a possibilidade de fazer a venda do papel.
No início, Wagner cobrou 80% da comissão, alegando que a Vetor teria lucro com a venda dos papéis. Quando o Banco do Estado de Pernambuco (Bandepe) exigiu que a remuneração da colocação fosse atrelada à taxa de sucesso -ou seja, à venda efetiva dos títulos no mercado-, Nahoun conseguiu renegociar a parte com Wanger, que ficou com 45% da comissão.
Nahoun chegou ao Rio acreditando que não iria conseguir colocar o papel. Acabou conseguindo que o banco Boa Vista desse garantia firme de colocação.
Nahoun recebeu US$ 22 milhões de Pernambuco, pagou 45% para a Perfil e ficou com lucro de US$ 12 milhões. Desse total, o Boa Vista cobrou US$ 7,2 milhões, para dar contrato de garantia, de "hedge". Restaram US$ 4,8 milhões de lucro.
Se quisesse lucro maior, teria que comercializar o papel. "Aí fui à Caixa Econômica Federal, que estava precisando de papel para seus fundos e propus: por que vocês não ajudam Pernambuco, já que estão fazendo esse plano de recuperação econômica com o Estado?".
A CEF alegou que não poderia, pois outros Estados iriam querer o mesmo tratamento. Mas se dispôs a deixar os papéis em carteira, e financiá-los no overnight.
Nahoun telefonou para o secretário da Fazenda de Pernambuco informando da oferta e sugerindo que fechasse o negócio diretamente com a CEF.
Quando a CEF ficou com o papel, à taxa de 0,55% de taxa over (ou seja, dispondo-se a pagar a taxa over mais 0,55%), o mercado todo virou comprador do papel. A Caixa negociou os papeis diretamente com o Bandepe, sem intermediários.
Santa Catarina
A operação de Santa Catarina aconteceu quando estava acabando a de Pernambuco. A corretora soube que Osasco tinha feito uma emissão, mas não encontrava um banco público disposto a custodiar os títulos.
Nahoun aproximou-se do Besc, de Santa Catarina, que aceitou fazer a custódia, cobrando 1,5% do valor da emissão, ou US$ 1,2 milhão. Na reunião, aproveitou para expor a operação dos precatórios, pois sabia que Santa Catarina estava habilitada a utilizar a operação.
Naquela tarde mesmo foi marcada reunião no Palácio de Governo, presentes o governador Paulo Affonso Vieira e todo o secretariado, onde a operação foi apresentada.
O que mais entusiasmou Paulo Affonso foi uma brecha apresentada por Nahoun. Há um documento do presidente do Tribunal de Justiça do Estado, estimando o valor dos precatórios em US$ 600 milhões.
Nahoun mostrou ao governador que parte dos credores certamente nem conhecia todos os indexadores. Além disso, haveria um processo de negociação, que permitiria pagar as dívidas com deságio. Estimava que o Estado poderia ficar com no mínimo US$ 100 milhões de sobra em caixa.
Terminada a exposição, disse que queria ver o contrato com Pernambuco. O presidente do Besc fora funcionário de carreira do Banco Central por muitos anos. Reconheceu a assinatura do presidente do Bandepe, que havia sido seu colega. "O governador decidiu na hora: quero operação igual. Até poderia baixar comissão, visto que seria uma operação bem mais fácil. Mas o governador falou e ficamos nessa", admite Nahoun.
Por que falhou "Minha parte eu coloquei. A colocação dos papéis pelo Besc falhou porque o senador Kleinubing começou a gritar no dia seguinte, e o papel ficou sem liquidez", conta Nahoun. "O fundo de liquidez do Estado começou a financiar as corretoras que haviam entesourado o papel, acreditando que o mercado iria melhorar". Não melhorou porque Kleinubing não parou.
"Agora, querem que eu diga que o dinheiro que paguei para a Perfil era para o Paulo Affonso", diz Nahoun. "Não conheço o governador, nunca o vi nem antes nem depois da reunião no Palácio, com todo o secretariado."
"A CPI saiu do razoável e entrou para o irracional. Não há uma acusação objetiva contra a minha pessoa. Não fui ao Senado e perdi meu banco sem ser ouvido. Queria ser ouvido antes de perder o banco. Continuo querendo ser ouvido agora, mas é só por um problema moral pessoal."

Email: lnassif@uol.com.br

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