São Paulo, sábado, 1 de março de 1997
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A verdade sobre a gasolina premium

HENRY JOSEPH JR.

Nos últimos dias, jornais, revistas, rádios e emissoras de TV foram invadidos por campanhas -algumas criativas, outras nem tanto- que alardeiam os "milagres" de um novo tipo de combustível, a gasolina premium. O mínimo que se diz é que elas têm "alta octanagem" -claramente, isso induz a que se imagine um aumento de potência e desempenho dos automóveis, ainda com redução de consumo.
A maioria desconhece o que é octanagem, associando-a à antiga gasolina "azul", à gasolina de avião, à gasolina da Fórmula 1 ou, até mesmo, ao álcool combustível. Para um leigo, geralmente, "alta octanagem" significa alto poder de explosão, que transforma um motorzinho num motorzão.
Para quem ainda pensa assim, a decepção: só com o aumento da octanagem da gasolina, nenhum automóvel terá mais potência do que aquela para a qual foi desenvolvido e projetado.
Octanagem é um índice que determina o quanto pode ser comprimida pelo pistão do motor uma mistura de vapor de combustível e ar, dentro da câmara de combustão, sem que haja detonação espontânea, isto é, sem que a mistura entre em combustão antes da centelha da vela de ignição. Quanto maior a octanagem, mais a mistura ar/combustível pode ser comprimida na câmara de combustão sem detonação antes da hora.
A capacidade de compressão dos motores é a determinada pelo projeto do motor. Assim, de nada adianta o combustível ter maior octanagem.
Em laboratório, mede-se a octanagem em um motor estacionário especial, de um só cilindro e que permite alternar a altura da câmara de combustão, variando a "taxa de compressão". Faz-se essa medição comparando-se com um combustível especial, que contém um produto chamado "octana" (de onde veio o termo "octanagem"). A medição pode ser feita por dois métodos: motor (MON) ou pesquisa (RON). O número RON é sempre maior do que o MON. É, mais ou menos, como medir a altura de uma pessoa em centímetros ou polegadas.
No Brasil, a gasolina comum, aditivada ou não, tem octanagem mínima de 80 MON ou 92 RON, aproximadamente.
Pelo menos oficialmente, a gasolina premium tem uma octanagem mais elevada. A portaria 3/97 do DNC, que autoriza sua comercialização, especifica que a octanagem deve ser (MON+ROM/2), no mínimo, de 91, embora seja estranho especificar a octanagem dessa forma. Aparentemente, considera-se mais "comercial" dizer que a octanagem passou de 80 para 91 do que dizer que a mudança foi de 80 para 86, ou ainda de 86 para 91, o que seria mais correto, tecnicamente.
Independentemente desses números, os motores até hoje feitos no Brasil foram projetados para comprimir a gasolina com octanagem 80 MON. Assim, não é o aumento da octanagem que levará os motores, automaticamente, a ter maior taxa de compressão, o que só aconteceria se fossem projetados novos tipos de motores.
Mas e os importados? Como foram projetados em países onde já há gasolina com maior octanagem, não terão vantagem imediata com a utilização da premium? Não necessariamente, pois isso dependerá da taxa de compressão desses veículos. Pode ser que, para o mercado brasileiro, esses carros tenham motores feitos para gasolina comum -o que seria bastante razoável, pois essa gasolina não estava disponível até agora.
E os veículos velhos, com motor "batendo pino" por excesso de carbonização na câmara de combustão? A gasolina com maior octanagem não evitaria a detonação, acabando com o "bate pino"? Para esses casos, já existe a gasolina aditivada, própria para "limpar" o motor, mais barata que a premium.
Motor "batendo pino" não quer dizer carbonização excessiva na câmara de combustão: isso pode ser causado por velas sujas, cabos partidos, problemas na bobina, platinado, avanço e uma infinidade de outras causas. Para esses veículos, é melhor uma boa oficina que uma gasolina de alta octanagem.
Não se pode deixar de aplaudir o lançamento da gasolina premium, o que permitirá, a médio prazo, desenvolver motores com taxa de compressão mais elevada do que a dos atuais, mais potentes e de melhor torque, mais econômicos e com respostas mais rápidas. Mas daí a transformar "latas velhas" em bólidos, há uma enorme e insuperável distância.

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