São Paulo, segunda-feira, 3 de março de 1997
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Brasil prioriza consolidação do Mercosul

DENISE CHRISPIM MARIN
ENVIADA ESPECIAL A RECIFE

Entre a formação de uma área de livre comércio com 34 países do continente e o aprofundamento do Mercosul -a união aduaneira entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai-, o governo brasileiro deve priorizar a segunda opção.
A opinião é do ministro José Alfredo Graça Lima, diretor-geral do Departamento Econômico do Itamaraty em entrevista à Folha.
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Folha - Se o Brasil não estivesse no Mercosul, seria mais difícil enfrentar a competição externa?
Graça Lima - As opções do Brasil não são excludentes. O Brasil se apresenta como um "global trader", como uma nação que comercializa com todos os países e em todas as áreas, de modo que sua participação no contexto internacional tende a ser cada vez maior.
A América Latina e os países do Mercosul são as nossas circunstâncias. Por isso, os laços nessa vizinhança devem se fortalecer de forma mais intensa. Isso não impede que o Brasil vá em busca de novos mercados, até mais dinâmicos para as suas exportações.
Folha - Alguns países desenvolvidos condenam os blocos. Os EUA querem a diluição deles, inclusive do Mercosul, quando a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) for implementada. Como o sr. vê a sobrevivência dos blocos?
Graça Lima - A palavra bloco dá a impressão de tratar de um grupo fechado de países. A preocupação de países que não fazem parte de uniões aduaneiras ou de áreas de livre comércio é que os blocos provocam distorções no comércio multilateral.
Mas existem regras na OMC (Organização Mundial do Comércio) para evitar que esse fenômeno ocorra, que sejam cristalizadas preferências comerciais dentro das agrupações.
Essa questão é diferente da participação de um bloco que já existe no esforço de integração hemisférica. Os membros do Nafta (Área de Livre Comércio da América do Norte) têm preferido negociar separadamente. O Mercosul, como uma união aduaneira com uma tarifa externa comum, só pode negociar acesso a mercado em conjunto. Não existe outra opção.
Folha - E se não houver consenso nem mesmo dentro do Mercosul sobre uma questão?
Graça Lima - Nos casos em que não haja uma política comercial comum, os membros do Mercosul evidentemente negociarão de acordo com seus interesses nacionais. Mas mesmo esses temas podem resultar na definição de uma política comum do Mercosul.
Também nada impede que países que tenham posições acertadas sobre um tema específico possam se reunir em um novo bloco, temporário, para negociar.
Folha - Seria mais benéfico para o Brasil negociar a formação da Alca ou consolidar o Mercosul?
Graça Lima - A prioridade do governo brasileiro é a consolidação do Mercosul. O programa do Mercosul prevê o aprofundamento das relações entre os países. O processo de formação da Alca não descaracteriza o Mercosul.
Folha - Ficou claro que o Brasil quer adiar, nas negociações da Alca, um segundo choque de abertura comercial. Como se pode escapar das pressões para que o país abra mais sua economia?
Graça Lima - Toda negociação exige prudência, cautela e cuidado. Tem que levar em conta os compromissos multilaterais assumidos e também o risco da exposição do país a um choque que pode ser dramático para a economia, a competitividade da indústria.
Isso não impede que você faça progressos em uma área de livre comércio, com reservas e dentro de um cronograma aceitável.
O único parâmetro que existe hoje é o de concluir as negociações da Alca em 2005. Durante o curso das negociações, haverá idéia mais clara do grau de ajuste da economia necessário para encarar uma nova onda de redução de tarifas.
Folha - O Brasil não quer negociar a Alca antes de os EUA reverem as barreiras a produtos brasileiros. Também exige que os EUA tenham mandato do seu Congresso para negociar (o "fast track"). Até que ponto o país está emperrando as negociações da Alca?
Graça Lima - Exigir que um governo apresente suas credenciais para negociar, no caso o "fast track", é perfeitamente normal. Não se negocia sem saber qual vai ser o engajamento de seu parceiro.
Durante as discussões, também temos que evitar que algumas assimetrias que já existem, como as barreiras comerciais, sejam perpetuadas. Senão, não poderão mais ser corrigidas e as negociações não ocorrerão de forma justa.
Folha - O sr. está se referindo à estratégia do Mercosul, em especial do Brasil, de negociar a redução de tarifas na Alca somente depois de revistas as barreiras comerciais que afetam as exportações brasileiras?
Graça Lima - Sim. Porque países que liberalizaram recentemente seu comércio já não contam mais com isso. As barreiras continuam nas economias maiores. Elas podem ser ilegais ou justificáveis. Mas devem ser negociadas.
Folha - O Brasil argumenta que fez sua abertura de forma unilateral e não obteve a contrapartida. Agora, se não houver compensação, não vai avançar mais. O país está revendo o curso da abertura?
Graça Lima - Eu não diria que o Brasil tem a intenção de rever a abertura, no sentido de impor restrições às importações. Vamos ter déficit na balança comercial ainda este ano. Como se trata de um déficit financiável, a preocupação se coloca no melhor desempenho das exportações a longo prazo.

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