São Paulo, segunda-feira, 3 de março de 1997
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"Fina Estampa", o vídeo

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

"Un Caballero de Fina Estampa", programa originalmente exibido pelo canal de TV paga HBO, chega agora ao mercado de home video, concluindo o périplo do disco espanhol de Caetano Veloso, lançado pela primeira vez em 94.
É daqueles casos em que o mercado suga um produto até a última gota -do CD fez-se o CD ao vivo, do CD ao vivo fez-se o programa de TV, do programa de TV fez-se o vídeo...
OK, é Caetano. Mas nem assim a coisa deixa de passar dos limites. "Fina Estampa" é calcado nas potencialidades do Mercosul, e isso limita em boa medida seu alcance.
O Caetano que se mostra aqui, de técnica vocal cada vez mais impressionante (em especial nos belos falsetes), pouco mostra do artista irrequieto que ele quase sempre foi.
As interpretações virtuosas se dão -como em "Un Vestido y un Amor" (do nefasto Fito Paez)- em meio a olhares desconcentrados, como se Caetano pensasse em outra coisa enquanto canta.
É o distanciamento que caracterizou o tropicalismo, poder-se-ia dizer. Mas não, o distanciamento parece se fazer não frente a cada canção, mas ao próprio ofício.
Se em 68 interpretar "Coração Materno", de Vicente Celestino, era atitude, agora Caetano canta o kitsch indefensável de "Pecado" a sério, com orquestra, elegância e rebuscamento, mas sem convicção.
Impossível deixar de associar, a certa altura, roupa e cabelos formais à figura de político e intelectual de FHC. Caetano aparece político, intelectual, e o artista cai a segundo plano, sob a égide do mercado.
É algo que ele mesmo luta para relativizar, em segmentos que abandonam os excessos violoncelísticos de Jaques Morelembaum em prol de voz e violão ou que operam a volta à tradição da MPB.
Mas ainda aí o ideólogo persiste, deitando falatório sobre as mais belas canções e interpretações -"Lábios que Beijei", "Você Esteve com Meu Bem", "Chega de Saudade".
Expõe sua compreensão da linha evolutiva, integrando Orlando Silva, João Gilberto, Tom Jobim e a si próprio -e isso é óbvio-, emendando com belíssimo arranjo de "O Leãozinho", uma de suas canções mais fracas.
Purgado por tal segmento, cai na arte propriamente dita quando reinterpreta a tropicalista "Soy Loco por Ti, América", de Gil e Capinam, ou reinventa, andrógino e à capela, "Tonada de Luna Llena".
Ou, especialmente, quando costura a paraguaia "Recuerdos de Ypacaraí" com sua "Itapuã", apenas por serem belas canções sobre amores perdidos. É outra natureza de ideologia, e aí se vê que o artista ainda existe, apesar do artificialismo de sua fase Mercosul.

Vídeo: Un Caballero de Fina Estampa
Artista: Caetano Veloso
Direção: Monique Gardenberg
Lançamento: PolyGram (tel. 011/253-1666)

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