São Paulo, terça-feira, 4 de março de 1997 |
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Eram cinco grãos de uma só vagem toda verde
MARILENE FELINTO
Isso é apenas uma fábula de Andersen, um conto de fada. De resto, é a mensagem de uniformidade e tédio, do mesmo humano tédio, o cheiro de um mesmo perfume barato e nauseante que se sente por todo canto para onde se vire. Os conflitos, os grandes e os pequenos, perderam importância. E também o tempo de quando tudo era bom perdeu igualmente a importância. Para que servem a geografia, a matemática, o inglês? A educação física e a aula vaga servem para quê? Nem o conflito da mãe importa mais. Por que ser mãe que põe no mundo um filho que sentirá angústia, ainda que seja de início essa angústia minúscula, escolar? E, do tempo quando tudo era bom, já não faz sentido que ele fosse apenas um signo do zodíaco que combinasse com o dela, Arian, nesse deserto de combinações humanas. Não faz sentido a espontaneidade das atrações amorosas, a "química", como diziam, a silenciosa linguagem do corpo. Signos não existem ou não existem mais. Nem existe lubricidade, só indiferença. A vida está como fábula, como nas páginas de uma velha bíblia. O apocalipse humano é científico -publicou-se a descoberta de que de uma ovelha (ou de um macaco ou de um homem) pode-se gerar outra igual- e entediante. Tédio maior do que o do cientismo -que acha que tudo pode ser resolvido pelas ciências, tornando desnecessárias a metafísica e a religião- é a reação dos homens à notícia de um iminente apocalipse desses. A própria onda de opiniões sobre a natureza filosófica da descoberta desemboca no inimigo número um da ciência: o irracionalismo. São todos obscuros e ridículos -do papa ao jornalista. A ciência "pura" impõe-se, entretanto, à filosofia barata e enjoativa redigida em jornais e revistas. Enquanto isso (mais solitários do que antes) o menino vai pelejando com o horário da matemática e da geografia, a mãe culpada, amante humilhando amante, como se algo nunca mudasse (talvez amor, Arian), ainda que mude tudo. ...Passaram-se as semanas. As ervilhas se tornaram amarelas, e amarela a vagem se tornou. "O mundo todo está ficando amarelo", disseram. E-mail mfelinto@uol.com.br Texto Anterior: Fim-de-semana bate recorde de homicídios Próximo Texto: Greve de ônibus afeta 250 mil em Campinas Índice |
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