São Paulo, terça-feira, 4 de março de 1997
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Um pouco mais de comércio exterior

OZIRES SILVA

O comércio exterior brasileiro transformou-se numa fonte de crescentes preocupações, sobretudo após o déficit recorde estabelecido em 1996, com perspectivas de não se reduzir em 1997.
Comentários têm sido produzidos propondo correções, sempre colocados como função de medidas financeiras que passam por aumento dos impostos de importação, pela redução dos encargos tributários sobre as exportações, modificações na política de câmbio ou a mistura de tudo com alguns outros ingredientes.
Para o cidadão-consumidor, fica claro que maiores alíquotas sobre os produtos importados significam preços mais altos no mercado interno. Para o governo, redução da tributação sobre as exportações (medida lógica e apoiada pela sociedade) leva a reduções na arrecadação. A modificação do câmbio coloca em risco a âncora da estabilização da moeda. Enfim, cada medida terá um preço a pagar.
Embora discussões sérias estejam ocorrendo, como por exemplo a recente iniciativa do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, incluída no estudo "Indústria - Propostas de Ações Setoriais para 1997", há seguras indicações de que os déficits crescentes não parecem caracterizar simplesmente uma doença aguda, que cederá com a aplicação de remédios clássicos.
Alguns dados são interessantes de analisar, referentes a quanto pagamos por tonelada importada e quanto recebemos por tonelada exportada.
Saltam aos olhos as disparidades da conta de agregação de valor, entre o que o país importa e o que exporta. Pior ainda, a tendência mostra uma quase estagnação dos preços específicos (US$/ton) de exportação dos produtos nacionais, contra o expressivo crescimento, nos quatro anos pesquisados, da ordem de 110%, para a pauta de importação.
Uma análise desses números leva à conclusão de que se deixa para os parceiros comerciais do exterior os empregos, a geração de capitais e o desenvolvimento tecnológico. Em contrapartida, para o Brasil ficam as vendas dos produtos primariamente processados, que geram pouco ou nenhum emprego, quase não requerem aplicação de tecnologias nem deixam margem para a formação de capitais, tão necessários para o crescimento econômico. Enfim, compra-se riqueza e se vende pobreza.
Para a aplicação de um ponto de inflexão nesta tendência, esta sim preocupante, algo mais será necessário do que os paliativos que estão nas metas atuais. Os "remédios" são, infelizmente, mais difíceis e somente surtirão efeito a longo prazo, já que no passado não foram aplicados.
Melhorar os níveis de educação para a população, melhorar padrões de treinamento para a força de trabalho, investir em ciência e tecnologia, gerar marcas próprias podem ser algumas alternativas. Em outras palavras, são necessárias ações que aumentem a competência do setor produtivo nacional, que está sob risco, ou já sucumbiu em muitos setores, de ser superado pelo competidor externo.
Os países de sucesso no mercado internacional dedicaram-se à aplicação desses "remédios" no passado, notadamente os "tigres asiáticos", conseguindo assim, em pouco mais de uma década, sair de suas guerras e chegar às marcas comerciais que hoje inundam o nosso comércio, trazendo para os respectivos países as riquezas que almejamos.
É claro que o Brasil é diferente e o comércio exterior não atinge os percentuais do PIB dos tigres asiáticos, por exemplo. Mas o setor pode nos produzir dificuldades. Há necessidade de identificar vocações e nelas investir, procurando plantar agora para colher mais tarde, aumentando a geração de divisas de forma crescente e sustentada, embora mantendo-se a pauta de importações que, salvo algumas exceções, está se mostrando essencial.
Há possibilidades concretas sobre as quais se pode pensar. Todas passam pelo desenvolvimento tecnológico -com tecnologias importadas ou autóctones- e incluem investimentos para ganhar inovação, qualidade e os consequentes ganhos de valor.
Outras alternativas podem ser mais exploradas -por exemplo, o turismo, cujo balanço de moeda forte é fortemente negativo para o Brasil. O volume brasileiro é inferior ao de Portugal, embora obviamente o país ofereça muito mais alternativas.
Os caminhos podem ser longos e difíceis. As idéias deveriam caminhar na identificação das vocações, regionais ou nacionais, e nelas investir. Certamente há muitos outros, mas não podemos retardar as reações. Quanto mais cedo começar, melhor.

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