São Paulo, quarta-feira, 5 de março de 1997
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O mercado dos títulos estaduais

LUÍS NASSIF

Nos últimos dias, a coluna procurou trazer os argumentos de todas as partes para uma melhor compreensão do processo dos precatórios.
Salta à vista que havia um mal de origem na emissão de títulos estaduais: a falta de um sistema de leilões para a venda primária dos papéis, que permitisse transparência na formação de preços.
Todos os problemas decorrem desse pecado original.
É impossível dizer que os bancos perderam comprando os papéis, ou transferiram o prejuízo para seus fundos, pela singela razão de que os fundos que aplicaram em estaduais estão entre os mais rentáveis do mercado. Ou seja, os cotistas foram mais beneficiados do que aqueles bancos que agiram com conservadorismo.
Poderiam ter ganho mais se tivessem adquirido o papel na emissão. Por que não o fizeram?
Os Estados alegam que anunciaram a venda primária de papéis e não apareceram compradores. As instituições alegam que os sistemas de colocação são precários e os anúncios são feitos de afogadilho, não havendo plena divulgação do produto.
Quem é que tem razão?
Recentemente, a Casas Bahia lançou US$ 200 milhões em debêntures. Para colocar o papel, seus diretores fizeram "road show", visitaram instituições, debateram seus balanços e venderam seu peixe. O papel foi colocado sem dificuldades, por bom preço.
Na venda de estatais, esse mesmo processo é repetido nas principais praças internacionais.
Sem preparação
No caso dos Estados, havia emissões de valores muito maiores, mas sem nenhum esquema de venda prévia do papel.
No caso de São Paulo -conforme relatou um banco-, para obter informações sobre o fluxo de receita da cidade os analistas precisaram recorrer aos vereadores do PT.
Era justamente essa divulgação prévia que deveria despertar o interesse do mercado pelo papel, conferindo a liquidez necessária para que não ocorresse distorção de preços e para que os Estados pudessem ganhar mais.
Por que não foi feito?
A corretora Vetor -segundo declarações de seu sócio Fábio Nahoun à coluna- ganhou direito à colocação integral dos títulos de Pernambuco e a um terço dos títulos de Santa Catarina.
Como ambos os Estados poderiam dar essa garantia, se a venda primária tinha que ser pública, se os títulos tinham que ser anunciados ao mercado, e os compradores poderiam apresentar suas propostas?
Porque tinham certeza, mesmo antes do lançamento, que não apareceriam compradores. É a única explicação. Se não, como garantir a colocação?
Os títulos eram jogados no mercado sem preparação prévia e, depois de algumas voltas, entravam no circuito normal.
A partir daí, os preços caíam, mas ainda a ponto de, na hora da venda final, serem os títulos mais rentáveis do pedaço.
De qualquer modo, o que importa na questão é a definição clara de regras daqui para a frente, que mate de vez por todas essas distorções.
"Esquenta-esfria"
A maior contribuição da CPI foi ter trazido à tona, definitivamente, a questão das operações de esquentamento de dinheiro no mercado -denominadas de "esquenta-esfria".
Não há mais desculpas para o Banco Central não controlar esse mercado. A extrema liberalidade, especialmente com as contas CC5, transformou o Brasil em um imenso Paraguai.
As CC5 têm de ser mantidas, mas limitadas geograficamente a uma ou duas grandes cidades, para permitir a fiscalização.
Paraguai
A propósito do Paraguai, em dezembro o terceiro maior movimento no mercado flutuante de dólares foi de uma certa corretora Araucária, com sede em Curitiba -logo após o Banco do Brasil e o Bamerindus.
É a única instituição privada autorizada pelo BC a operar em Ciudad del Este, na divisa com o Brasil -trazendo os reais que são deixados lá por brasileiro e convertendo pelo flutuante.
Seu movimento diário é da ordem de US$ 50 milhões -contra apenas US$ 1 milhão do BB. O movimento do BB não é maior porque o banco teme ser utilizado para processos de lavagem de dinheiro.
Outras instituições privadas tentaram, mas não conseguiram entrar nesse mercado.

Email: lnassif@uol.com.br

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