São Paulo, terça-feira, 11 de março de 1997
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'Sócios' de Ramos embolsaram R$ 71,9 mi

FERNANDO CANZIAN
Editor de Brasil

EMANUEL NERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Ex-coordenador de Pitta alega que ficou só com R$ 1,3 mi e diz não ter "idéia" do resto da partilha

Wagner Baptista Ramos, ex-coordenador da Dívida Pública de Celso Pitta, diz não saber como seus sócios repartiram o total de R$ 73,2 milhões de comissões embolsadas para emitir irregularmente títulos de Pernambuco, Alagoas e Santa Catarina. De sua parte, diz que levou "apenas" R$ 1,3 milhão. Faltam R$ 71,9 milhões. Onde estão? "Não sei", responde.
Ramos era sócio, com contrato assinado, da corretora Perfil nas emissões dos três Estados. E um segundo contrato o liga ao Banco Vetor, que atuou em Pernambuco e Santa Catarina. A Perfil e o Vetor, sócios de Ramos, ficaram com o dinheiro? "Não sei de nada", responde.
Em entrevista à Folha ontem, Ramos resumiu, em duas frases, sua estratégia para o depoimento de amanhã na CPI dos Precatórios: 1) "Minha responsabilidade é limitada à emissão", dirá, para se livrar de outras acusações; e 2) "Não sei quem nem quanto foi ganho", para livrar outras pessoas.
O ex-funcionário de Pitta acha "perfeitamente normal" usar o gabinete, o telefone/fax, papéis timbrados e o seu cargo de coordenador da Dívida Pública para ganhar dinheiro com outros Estados. Pitta sabia dos "bicos" de Ramos e de quanto ele estava ganhando? "Não sabia de nada."
Na entrevista, um Ramos trêmulo e exaltado algumas vezes preocupou-se muito em atacar o Banco Central e defender prefeitos, secretários, governadores e senadores. Não acha ninguém suspeito de "facilitar as coisas".
"Governador, secretário, prefeito, seja quem for, tem de ir atrás de recursos públicos. Essa (as emissões que geraram o escândalo) foi a alternativa."
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
*
Folha - Em quantas operações de emissão de títulos o sr. atuou?
Wagner Baptista Ramos - Ajudei diretamente Campinas, Osasco e Goiânia. Em Guarulhos, eu ajudei depois da emissão. Foram colaborações sem remuneração.
Folha - Se não houve remuneração, por que então o sr. fez isso?
Ramos - Eles me procuravam. Fiz a título de colaboração.
Folha - Não teve nenhum tipo de comissão envolvida?
Ramos - Não teve nenhuma comissão, não teve taxa de sucesso.
Folha - O sr. só emprestou o seu know-how, de graça?
Ramos - Para quem me procurou diretamente, Estados e municípios, eu não cobrei um tostão. Os outros que eu colaborei, que prestei uma assessoria, que foram Pernambuco, Santa Catarina e Alagoas, não fiz diretamente ao Estado. Fiz uma assessoria à instituição financeira (à corretora Perfil). Aí eu ganhei.
Folha - Em Pernambuco, o sr. cobrou quanto?
Ramos - Eu recebi por todo o pacote R$ 1,3 milhão. Em todas as operações. Recebi R$ 150 mil por Alagoas. O resto foi com Santa Catarina e Pernambuco.
Folha - E o contrato com o Banco Vetor (que atuou com a Perfil e tinha Ramos como participante)?
Ramos - Eu só tinha contrato com a Perfil. O Banco Vetor é que fez contrato com a Perfil.
Folha - Mas havia um contrato com o Vetor em que constava em uma cláusula que o sr. era o técnico responsável e, caso o sr. saísse do negócio, o contrato estaria desfeito automaticamente. O sr. participou ativamente dessa emissão.
Ramos - Da emissão, sim.
Folha - O Fábio Nahoun, do Banco Vetor, diz que o sr. recebeu R$ 32 milhões. É mentira?
Ramos - Quem tem que explicar isso é ele porque eu não recebi.
Folha - Quem recebeu? Foi ele?
Ramos - Isso eu não posso acusar. Eu recebi por um pacote.
Folha - Onde está o dinheiro? O sr. tem uma conta no Merrill Lynch, nos EUA. Lá tem quanto?
Ramos - Tem R$ 1.041.000.
Folha - E o restante, onde está?
Ramos - Uma parte eu recebi aqui. E tenho mais R$ 150 mil em uma conta que vai ser apresentada na CPI. Está em Nova York. É outro banco que não é o Merrill Lynch. Essas contas que estão falando aí, sociedade de empresas lá fora, isso não existe.
Folha - Como é que o sr., considerado o cérebro de toda a operação, não sabe com quem ficou o resto do dinheiro?
Ramos - Eu não tenho nada com a operação. Meu contrato era com a Perfil para atender o Vetor, para fazer a colocação.
Mas o sr. era o cérebro da operação. Como é que não sabe para onde foi o dinheiro?
Ramos - (com voz alterada) Cérebro, não.
Folha - Era o articulador principal e diz que ficou com a fatia menor. Alguém ficou com a fatia maior. Como é que o sr., que articulou tudo isso aí, não sabe quem ficou com a fatia maior?
Ramos - (exaltado) Estão me acusando. Não é verdade. A única coisa que eu fiz foi a colocação primária. A responsabilidade minha é limitada à emissão. Eu não tenho como entrar no mercado.
Folha - Em Pernambuco, o sr. chegou a atuar como lobista? Seu contrato com a Perfil previa isso.
Ramos - (exaltado) Não, eu não sou lobista. Eu não falei com nenhum senador, a não ser São Paulo (com Gilberto Miranda), porque eu sou obrigado a ir direto porque eu sou interessado.
Folha - Essa é uma operação direta, de emissão de títulos onde uma corretora comprou o título com um deságio muito grande. Quero saber: se o sr. não ficou com o dinheiro no começo da operação, foi a corretora quem ficou com o dinheiro?
Ramos - (mãos trêmulas) Não.
- Quem ficou com o dinheiro?
Ramos - (exaltado) Não sou eu que tenho que responder. Você está querendo que eu faça uma acusação e eu não vou fazer.
Folha - O sr. está dizendo que ganhou "x". Está faltando "y". Onde está o dinheiro que falta?
Ramos - Não sei. Isso aí quem tem que ver é a CPI. Eu vou falar uma coisa. Está todo mundo acusando governadores. Isso não está por aí. Governador, secretário, prefeito, seja quem for, ele tem que ir atrás de recursos públicos, que são escassos. Então essa foi uma das alternativas para eles.
Folha - Essas corretoras tinham capacidade para fazer uma compra desse tamanho ou tinha alguém por trás delas?
Ramos - Tem que ter alguém.
Folha - Quem deu o dinheiro?
Ramos - (pausa)Os grandes bancos e os fundos de pensão.
Folha - Quais?
Ramos - Não sei.
Folha - Entraram os grandes bancos e fundos de pensões. Era um negócio lucrativo para eles?
Ramos - Pergunta para eles. Eu conheço até aqui (aponta rabiscos em um papel). Vocês estão querendo forçar algo que não sei.
Folha - E onde é que o dinheiro sumiu?
Ramos - Segundo o BC, sumiu na comercialização dos papéis. Quem deve fiscalizar é o BC.
Folha - O sr. está dizendo que na emissão, com aquele deságio mais alto do que o normal, não houve irregularidade?
Ramos - Não, na colocação primária, não. Todos os governadores e secretários foram muito taxativos em falar isso.
Folha - A irregularidade então está na cadeia de venda dos títulos?
Ramos - O sr. é que está afirmando. Quem tem que apurar é o Banco Central.
Folha - O sr. era um funcionário da Prefeitura de São Paulo. Adquiriu know-how na gestão pública e faz um contrato com uma empresa privada. Ganha R$ 1,3 milhão. O sr. acha isso normal?
Ramos - Você faz um produto, você trabalha no teu jornal...
Isso não...
Ramos - (muito nervoso) Espera aí. Você está comparando e eu também vou comparar. Você faz o trabalho para o teu jornal. De repente, o produto vira uma coisa boa. Eu não trabalhava para Estado A ou B. Era para uma empresa particular.
Folha - Mas o sr. continuava, ao mesmo tempo, trabalhando para a prefeitura. Isso é irregular.
Ramos - Eu não acho. Por que? Eu nunca cobrei de um Estado. Eu cobrei de uma empresa particular.
Folha - Mas quem teve prejuízo foram os Estados e prefeituras.
Ramos - Prejuízo, não.
Folha - Se um lado teve lucro, o outro teve prejuízo. É a lógica.
Ramos - Prejuízo, não. Porque os próprios governadores e secretários que estiveram lá na CPI disseram que essa operação era a mais barata que tinha para os Estados.
Folha - O sr. elaborava as operações para os outros de dentro da prefeitura?
Ramos - Fazia isso fora do meu expediente. Pode pesquisar minha carga de trabalho na prefeitura.
Folha - O secretário das Finanças não tinha conhecimento mesmo com as viagens que o sr. fazia, com os contratos que o sr. assinava? O sr. usou um papel timbrado da prefeitura para recomendar uma operação para o Banco Vetor. E o secretário não sabia de nada?
Ramos - - Não sabe. A Prefeitura de São Paulo tem 15 andares.
Folha - Mas o sr. era um funcionário de confiança subordinado diretamente ao secretário Pitta.
Ramos - Todos são subordinados. Eu atendia as prefeituras. Mas jamais ele (Pitta) pensou que eu estivesse cobrando por isso.
Folha - Mas o sr. fez viagens, como para Alagoas. Como é que o secretário não sabia?
Ramos - Fiz uma viagem para Alagoas. Estava em férias. Tenho férias até hoje para serem gozadas. Eu acumulava folgas. E dizia: secretário, eu preciso cuidar de assuntos particulares, posso viajar dia tal? Não falava para ele onde ia.
Folha - E o caso do Pedro Neiva Filho, que é amigo do prefeito, qual era o papel dele?
Ramos - Exercia trabalhos burocráticos, era de nível médio.
Folha - Como que um funcionário de nível médio pede demissão do cargo e desaparece já que não há suspeitas contra ele?
Ramos - Porque ele pediu demissão você tem que falar direto com ele. Ele está com problema de hérnia. Quando eu caí ele achou melhor pedir demissão. Se eu fosse ele, não teria saído.
Folha - O Neiva tem ligações com o Fábio Nahoun, do Banco Vetor?
Ramos - Foi ele quem me apresentou ao Nahoun. Mas isso não tem nada a ver com os precatórios. Eles trabalharam no mercado (financeiro), juntos.
Folha - Há uma preocupação muito grande do sr. em poupar o sr. Celso Pitta. Havia informações antes que o sr. estava disposto a contar tudo, inclusive citando o prefeito. Na sua primeira entrevista (à "Veja"), o sr. disse que o prefeito sabia das operações, mas não sabia das remunerações. Hoje, o sr. já está dizendo que ele não sabia de absolutamente nada.
Ramos - Celso Pitta não sabia das operações. Sabia que eu atendia prefeituras lá. Eu não falei para ele que estava fazendo Estados. Eu nunca falei que ia entregar todo mundo. Porque eu conheço até aqui (mostra os rabiscos).
Folha - O sr. também diz que nunca viu o Paulo Maluf na sua frente. Como uma pessoa que ocupa um cargo de confiança na prefeitura nunca viu o prefeito?
Ramos - Se eu vi o sr. Paulo Maluf foi uma ou duas vezes. Trabalhei com a dona Luiza Erundina quatro anos e também a vi uma ou duas vezes.
Folha - O sr. acha que os senadores estão no caminho certo quando afirmam que há um desvio de R$ 500 milhões nessa história?
Ramos - Os números não eram esses. O que eu também sei é que eles estão pondo aí papéis federais.
Folha - Essa é uma tática sua? Envolver títulos federais, melhorar sua defesa e confundir a acusação?
Ramos - (irritado) Eu não tenho tática nenhuma.
O sr. acha que esse dinheiro ficou com gente do sistema financeiro, com doleiros ou com políticos?
Ramos - Com políticos eu já falei que é impossível. Político não tem dinheiro para comprar título.
Folha - Mas em uma operação combinada os políticos podem ficar com uma parte desse dinheiro.
Ramos - Não acredito. As alternativas que o administrador público tem para fazer dinheiro são tão raras que jamais ele iria ganhar com uma operação dessa.
Folha - Então ganhou o mercado financeiro.
Ramos - É.
Folha - Então os políticos foram muito generosos porque deixaram os outros ganhar dinheiro e ficaram sem nada. É isso?
Ramos - Não acho que sejam generosos. Se fosse outro político que estivesse em Pernambuco, eu até acreditaria. Mas o Miguel Arraes, do jeito que ele é sério e vai atrás de recursos para salvar o Estado dele, é diferente.

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