São Paulo, terça-feira, 11 de março de 1997
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Luz, câmera, ações!

LUÍS PAULO ROSENBERG

Um período inflacionário sempre deixa marcas e hábitos na sociedade que só o tempo consegue eliminar: a baixa prioridade empresarial, atribuída à busca de ganhos de produtividade em comparação com a luta de vida ou morte pela manutenção do poder aquisitivo das disponibilidades financeiras, a reverência quase religiosa em face da moeda forte estrangeira e o abandono das práticas de planejamento estratégico, já que sobreviver no dia-a-dia é só o que importa.
Quando esse período transforma-se em um processo de 40 anos, como no caso brasileiro, as distorções viram traços culturais, e os hábitos, preconceitos. Há uma tal reversão de valores que o kit de sobrevivência à inflação, composto por artimanhas e desvios da racionalidade, torna-se a nova racionalidade no irracional.
Vamos à raiz do problema: por que o Brasil conseguiu conviver por tantos anos com taxas de inflação progressivamente crescentes sem que se tenha perdido o controle do processo?
Simplesmente porque fomos capazes de criar e ir sofisticando uma sistemática de reajustes automáticos de preços que tornava o convívio com a inflação tolerável.
Assim, o câmbio era desvalorizado todos os dias, mantendo a paridade real da moeda; os juros pós-fixados garantiam que, no vencimento do CDB, o aplicador receberia como remuneração a soma da correção monetária (que recompunha o valor erodido, qualquer que tivesse sido a inflação decorrida) mais juros reais recompensadores; os salários tinham uma data-base na qual se repunha automaticamente a inflação passada e se negociava um ganho de produtividade, apelido para elevação do salário real.
Claro, era tudo um truque. Agiotas e exportadores tinham proteção máxima, ainda que não total, por receberem ajustes com periodicidade quase instantânea.
Trabalhadores tinham uma defesa reduzida, pois jamais conseguiam mais do que um reajuste por mês, mesmo quando a inflação andava nos seus patamares mais elevados.
As velhinhas que viviam de aluguel eram as maiores vítimas, pois a periodicidade semestral e a legislação punitiva transformava inquilinos em hóspedes, tão rápida era a deterioração do valor real do aluguel. Proteção plena só tinha mesmo o governo, cujas receitas eram indexadas, mas as despesas não.
A verdade é que o sistema funcionava. A prova maior é cabal: em junho de 94, quando a inflação mensal rodava a mais de 50%, as aplicações financeiras em moeda nacional superavam R$ 100 bilhões, num milagre inédito: como tanta riqueza podia continuar investida em uma moeda que se deteriorava àquela velocidade?
Pela confiança dos agentes na defesa propiciada pela correção monetária e pelos juros reais sedutores que recebiam, uma espécie de taxa de chantagem que o governo era obrigado a pagar para evitar que houvesse uma fuga da moeda local para o dólar.
O Real chegou mantendo o mesmo espírito, pagando juros reais ainda mais elevados, como seguro contra uma explosão de consumo que o acesso ao crédito poderia ensejar.
Essa política monetária, que estava prevista para ser praticada por uns poucos meses, foi sendo mantida, com duas implicações. Nenhuma aplicação em ativos reais (imóveis, ações, ouro, dólar ou linhas telefônicas) conseguia competir com a tranquilidade de ganhar até 40% reais em renda fixa.
Como o governo não é besta, já que praticava uma política de juros estupidamente elevados, negava-se a alongar o perfil de sua dívida, para poder reduzir o custo de servi-la mais rapidamente, tão logo surgissem as condições para redução dos juros.
A consequência foi que o poupador brasileiro habituou-se a aplicar em renda fixa e a curto prazo. Foi necessária a legislação punitiva sobre o rendimento das aplicações de curto prazo e a redução significativa dos juros reais para que se iniciasse um processo de diversificação de aplicações.
Hoje, no quarto ano da estabilidade, quando começa a transferência de aplicações financeiras para ativos reais, ainda temos mais de R$ 150 bilhões aplicados em caderneta de poupança e CDB e menos de R$ 10 bilhões em fundos de ações.
A implicação é óbvia: se o cenário internacional for de tolerável volatilidade, o cenário interno já seria favorável às Bolsas de Valores, pois as empresas listadas em Bolsas estão apresentando balanços lucrativos e os processos de privatização em marcha aguçam o apetite dos investidores.
Nesse quadro, só o movimento de transferência de um teco das aplicações financeiras para as Bolsas de Valores será suficiente para garantir uma persistente valorização das ações, mesmo que os influxos externos sejam mais reticentes.
Em suma, apesar de toda a alta já ocorrida nas Bolsas, o volume de recursos dirigindo-se a elas sugere que é melhor entrar agora do que lamentar amanhã a perda dessa oportunidade estimulante de ser sócio da crescente racionalidade do Brasil.

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