São Paulo, terça-feira, 11 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Clube regista só 6,7% da remuneração

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A FLORIANÓPOLIS

O Figueirense, tradicional clube de Florianópolis, registrou na Carteira de Trabalho de jogadores só 6,66% da remuneração mensal.
Documentos obtidos pela Folha mostram que o clube comprometeu-se a pagar aos atletas 15 salários mínimos (R$ 1.680 em valores atuais) por mês, mas declarou em carteira só 1 salário (R$ 112 hoje).
As duas "cartas-compromisso", como são chamados os contratos, revelam os vencimentos totais.
Elas foram assinadas em 1995 pelo então presidente do Figueirense Futebol Clube, Gercino Correia Costa Filho, e pelos atletas Edson Belarmino Bernardes e Ecio Antunes Morgado.
O objetivo da redução dos valores, de acordo com entrevista do dirigente à Folha, foi recolher quantias inferiores ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e ao FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Outro lado
"Assim descontamos menos", disse Costa Filho, presidente do Figueirense entre 1992 e 1995.
"Todos os clubes atravessam situação financeira horrível. Então eles fazem esse negócio porque, quanto menos despesa, melhor". Hoje Costa Filho dirige o departamento amador.
A descoberta dos documentos, num time sem grande expressão nacional, revela método que seria corrente em alguns dos maiores clubes brasileiros.
No ano passado, o presidente do Clube dos 13, Fábio Koff, afirmou à Folha, em entrevista gravada, que "o Grêmio é o único clube do Brasil que não tem caixa 2".
O Clube dos 13 reúne as principais equipes do país. Caixa 2 é a contabilidade paralela de uma empresa, para pagar menos tributos.
Caixa 2
"Os documentos do Figueirense mostram um claro caso de caixa 2", disse o advogado carioca José Carlos Moreira, que analisou os contratos a pedido da Folha.
Moreira foi durante cinco anos professor universitário da cadeira Direito do Trabalho.
Irregularidades no Figueirense foram constatadas pela Fiscalização do Trabalho.
Em audiência no último dia 25 entre o novo presidente do clube, José Carlos da Silva, e o procurador do Trabalho Marcelo Goulart, o Figueirense se comprometeu a "não mais (...) efetuar pagamento (...) POR FORA".
No compromisso, não há referência a punições, apenas ameaça de multa ao clube em R$ 2.732,40 (3.000 Ufirs) a cada nova infração.
As "cartas-compromisso" vão além do salário mensal. A de Edson Belarmino Bernardes, o Edson Bela, prevê luvas (quantia paga pela assinatura do contrato) de R$ 5.600 (valores atuais).
As luvas de Ecio Antunes Morgado, o Ecio, são de R$ 6.048 (hoje). As carteiras de trabalho também não registram esses valores.
No contrato de Edson Bela, está escrito que o equivalente a 93,33% da remuneração mensal será em ajuda de custo. Mas o mesmo documento afirma que o atleta vai morar e se alimentar no clube.
Se os jogadores declarassem como salário o total da remuneração, teriam que pagar IR (Imposto de Renda), a ser recolhido e repassado pelo clube à Receita Federal.
Com parte do pagamento não foi registrado como salário, os jogadores ficaram isentos de pagar IR.
O advogado Moreira disse que o clube e os atletas cometeram "sonegação fiscal e crimes contra a administração do trabalho ao burlar Receita, INSS e FGTS".
O ex-presidente do Figueirense Gercino Filho disse que "às vezes é até o jogador quem quer" contratos assim. A Folha tentou falar quatro vezes com os atletas, que hoje defendem o Marcílio Dias, de Itajaí (SC), mas não os encontrou.
Para o presidente da Associação de Garantia ao Atleta Profissional de Santa Catarina, Fábio Polli, a prática é imposição dos clubes.

Texto Anterior: Romário diz desconhecer fraude fiscal
Próximo Texto: Economista aponta 'fraude' nos contratos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.