São Paulo, terça-feira, 11 de março de 1997
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Inglesa confirma afastamento do pop

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

Somando já 32 anos de carreira discográfica, a intérprete inglesa Marianne Faithfull radicaliza na direção oposta a seus primeiros passos em "20th Century Blues", seu novo trabalho, que a BMG promete distribuir às lojas brasileiras nesta semana.
Marianne dá ao disco o subtítulo "uma noite na República de Weimar" -referindo-se ao período que antecedeu o advento de Hitler na Alemanha- e se dedica a cantar Bertolt Brecht e Kurt Weill (predominantemente), Noel Coward e Friedrich Hollaender (autor de temas que Marlene Dietrich interpretou em seus filmes).
Chega assim ao extremo oposto da jovem Marianne Faithfull, que nos anos 60 namorava Mick Jagger e gravava, em voz cândida, singelezas pop de Simon & Garfunkel, Peter, Paul & Mary e Beatles.
Nessa primeira fase, cravou leituras pessoais como a de "As Tears Go By", dos Rolling Stones, e sedimentou imagem visual de "boazinha", algo como uma Branca de Neve cantora.
Mas, na virada dos 60 aos 70, colocou música e voz a serviço de um turbilhão de drogas pesadas e sexo, que acabaram por conferir à sua carreira o epíteto de "errática" -chegou a gravar até um disco country, "Faithless" (75).
Inglesa ferida
No apogeu da fase errática, lançou um disco de virada, o torturado "Broken English" (79), em que se percebia: a teatralidade e a tragicidade se apossavam do lugar que antes fora do pop, e a voz meiga de Marianne se tornava para sempre áspera, grave, marcada pela história anterior.
Estava, portanto, imediatamente talhada a cantora de cabaré, de voz bêbada, sofrida -o disco "Strange Weather" (87), repleto de "chansons", é bom exemplar dessa tendência.
Marianne tem se apresentado- além de fiel à aproximação da austeridade iniciada com a rouquidão da voz- produtiva nestes 90. Antes, lançou o belo "A Secret Life", em 95. Só faltava gravar o disco que agora ela oferece.
"20th Century Blues" é a exacerbação da aspereza, e nessa medida Marianne vai em direção contrária à da intérprete "oficial" de Weill e Brecht, Lotte Lenya.
Mas a interpretação grave e formal não é suficiente para que ela se afaste da matriz -as canções de cabaré- e acaba surgindo como carcaça dócil a personificar tanto o calor brechtiano de Lotte Lenya como o espírito de divas fundadoras de Hollywood como Marlene Dietrich e Greta Garbo.
O disco foi gravado ao vivo em Paris, no ano passado, com arranjos fiéis ao período a que se reporta. Unido tal cenário à voz cada vez mais rascante da cantora, o resultado não é nada pop -pode soar monocórdico e mesmo machucar ouvidos aqui e ali.
Mas é afirmação definitiva: com sua voz ela pode fazer o que quiser, e apegos à facilidade pop já não lhe interessam mesmo. Assim é que faz a habitual prostituta das canções de Brecht e Weill envelhecida, sem frescor, vincada pelo tempo. Um tanto é sua leitura, outro tanto é sua própria história.
Como já regravara a singeleza de "As Tears Go By" nas unhas da aspereza e do descosolo (em 87), o faz agora com Brecht e Weill on Noel Coward (na bela faixa-título). Não é a mais fluente das leituras desses autores, mas é a leitura de Marianne Faithfull.

Disco: 20th Century Blues
Artista: Marianne Faithfull
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 18, em média

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