São Paulo, terça-feira, 11 de março de 1997
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Cultura exibe inédito com Glauber ator

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na próxima sexta-feira, dia em que Glauber Rocha (1939-81) completaria 58 anos, o Cine Brasil da TV Cultura vai homenagear o cineasta baiano exibindo uma preciosidade: o longa-metragem "O Rei do Milagre", inédito no Brasil, que tem um dos raros trabalhos de Glauber como ator.
O filme foi realizado em 1971 na praia de Tarituba (RJ) pelo "grupo Glauber": o ator Joel Barcellos, o cartunista italiano Francesco Tulio Altan e o produtor italiano Gianni Barcelloni.
O filme conta a história de um pescador (Barcellos) que se torna curandeiro graças a um pacto que realizou com a Morte (a modelo italiana Ana Carini). Seus poderes taumatúrgicos, entretanto, só funcionam na aldeia litorânea onde vive. Na cidade, perdem a eficácia.
Glauber Rocha faz o papel de um governador que recorre ao curandeiro na esperança de salvar a filha, desenganada pelos médicos. Hugo Carvana é o secretário do governador enviado à aldeia para buscar o milagreiro.
Outra curiosidade do filme é a presença do compositor argentino Gato Barbieri (que no ano seguinte faria a trilha de "O Último Tango em Paris"). Além de assinar a música de "O Rei do Milagre", Barbieri aparece numa cena rápida, tocando sax à beira mar.
"Pedi para ele tocar 'Mi Buenos Aires Querido' em plena avenida Atlântica", relembra Barcellos.
Segundo o ator, a idéia do filme surgiu entre brasileiros que viviam em Roma como exilados mais ou menos voluntários.
Aproveitando o prestígio de Glauber, o grupo conseguiu parte dos recursos de produção junto à RAI (Rádio e Televisão Italiana) e veio filmar na praia de Tarituba, vilarejo que serviria de cenário 20 anos depois para a segunda versão da telenovela "Mulheres de Areia", da Globo.
Barcellos, curiosamente, trabalhou como ator na novela.
Visto hoje, "O Rei do Milagre" é a cara de sua época: claramente influenciado pela contracultura, quase hippie, é marcado pela improvisação e pelos diálogos absurdos, o que não o impede de ter cenas inspiradas, como a do político em pé, de terno, no mangue, com lama até o peito.
Logo na primeira sequência, um menino abandonado numa moita é encontrado por uma cabocla, e ela diz: "Coitadinho, está tão magrinho e assustado. Mas eu vou lhe dar um chá de maconha e você vai ficar logo bom."
Barcellos ri ao recordar a atuação de Glauber. "Ele estava tão habituado a se preocupar com a posição da câmera que em certo momento olhou diretamente para ela, o que é um erro mortal para um ator. Só vi na montagem."
Além disso, segundo Barcellos, Glauber improvisou muito em suas falas. "O próprio título -'O Rei do Milagre'- vem de um improviso do Glauber, que dizia que o Brasil era uma monarquia, porque aqui todo mundo era rei: o rei do samba, o rei do futebol..."

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