São Paulo, terça-feira, 11 de março de 1997
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'Salvamos o francês', dizem engenheiros

CARLOS HENRIQUE SANTIAGO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE

Os engenheiros brasileiros sequestrados pela guerrilha colombiana salvaram a vida do geólogo francês Alain Fablet na antevéspera do Natal passado. Eles eram reféns das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Demétrio Mendonça Duarte, 38, e Eduardo Batista de Oliveira Resende Costa, deram ontem sua primeira entrevista coletiva após a libertação, sábado passado.
Eles contaram que carregaram o francês durante horas. Quando fugiam de um ataque do Exército colombiano, Fablet perdeu os sentidos, e os guerrilheiros prefeririam matá-lo a entregá-lo ao governo.
Os três trabalhavam para empresas que prestam serviços ao governo colombiano. Os brasileiros coordenavam a recuperação de uma rodovia que liga Bogotá (capital) a Villavicencio. Fablet foi libertado no início do ano.
Duarte e Costa foram sequestrados no final da tarde de 14 de agosto do ano passado. Durante os 206 dias de cativeiro, eles ficaram em 37 lugares diferentes, tendo de se deslocar constantemente pela selva, sempre a pé.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
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SEQUESTRO - "Nós estávamos saindo da obra um pouco mais cedo para uma reunião em Villavicencio. No meio do caminho fomos interceptados por pessoas vestidas com uniforme militar e armadas. Perguntaram-nos se éramos engenheiros da 'carretera' (rodovia). Nós confirmamos, e, então, falaram que estávamos detidos para a paz da Colômbia." (Duarte).
PRIMEIRO DIA - "Nesse dia, nós andamos até um acampamento, onde foram tirados todo o dinheiro que tínhamos e os relógios. Deixaram só o passaporte." (Duarte)
CAMINHADAS - "O Exército sempre chegava atirando e de surpresa. Então, tínhamos de nos deslocar ao menor sinal do Exército. Caminhava o dia inteiro e, por volta de 17h, montava a barraca e ficava ali mesmo." (Duarte)
LIBERTAÇÃO - "Nós soubemos que iríamos embora às 16h50, dez minutos antes de nos levarem para entregar para a Cruz Vermelha. Às 21h, como a Cruz Vermelha não chegava, os terroristas desistiram de nos libertar. Foi um momento de desespero, e achamos que era armação. Subimos a montanha por 15 minutos. Quando vimos um farol, mandaram a gente retornar e fomos libertados."(Costa)
MEDO - "Se a gente ficasse para trás por qualquer motivo, estaria morto. A ordem era a seguinte: é melhor matar que entregar para o Exército. Havia o risco de ser morto na troca de tiros e o risco de se machucar." (Duarte)
ROTINA - "Acordávamos às 5h30 e tomávamos café. Às 6h, tinha sopa. Depois, chocolate quente. Ao meio-dia, almoço. Um café de tarde e jantar às 6h." (Duarte)
COMIDA - "Era arroz com macarrão e batata. Às vezes, chegava um carregamento com biscoito e outras coisas. Depois, voltava arroz e macarrão." (Duarte)
DOENÇA - "Uma semana antes do sequestro, o médico disse que eu tinha hepatite e me proibiu de fazer esforço e de beber. Nós tivemos só diarréia, que eu chamo de doença de guerrilheiro, que tem uma vez por semana." (Duarte)
COLÔMBIA - "Não vamos voltar para a Colômbia. Se nós fôssemos para lá e víssemos um helicóptero, acharíamos que ele ia jogar uma bomba na gente." (Costa)
NATAL - "Não houve cerimônia. Estávamos juntos com o Alain (Fablet). Às 19h, deram uma tampa de garrafa com vinho para cada um. Foi o Natal que era possível. O Ano Novo foi igual." (Costa)

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