São Paulo, quinta-feira, 13 de março de 1997
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De como afundar um país e ser "modernoso"

ALOYSIO BIONDI

Dia 13 de fevereiro de 1995. O ministro Pedro Malan exibe estatísticas otimistas sobre as exportações e importações nos dez primeiros dias do mês, e proclama, triunfante: "Esses dados indicam que a tendência do déficit foi e continuará sendo revertida".
Repetindo, em português claro: o doutor Pedro Malan prometeu ao país que não haveria mais saldos negativos na balança comercial. Que a "tendência do déficit foi e continuará sendo revertida".
Dois anos depois: em um só mês de fevereiro, as importações superam as exportações em US$ 2 bilhões. Os "bocós", os "catastrofistas", os "caipiras", os "dinossauros" incapazes de entender a modernidade e as trilhas revolucionárias do governo FHC estavam com a razão.
O presidente da República e sua equipe de xingadores militantes, ao escancararem a economia, quebraram empresas, desempregaram milhões e afundaram o país em novo precipício de torra de dólares e endividamento externo.
Eles erraram nas previsões? Não. É preciso entender bem a questão: o governo FHC cometeu erros monumentais na própria política econômica que adotou, e por isso os resultados estão sendo o inverso do que ele anunciava. Não há erro de previsão. Há erro de estratégias -e falseamento da realidade. Em todas as áreas.
Prioridades
O governo FHC insiste em que é preciso haver grandes investimentos na área de petróleo -para aumentar a produção e reduzir os gastos com importações. O governo FHC diz que é preciso investir em energia elétrica, para evitar racionamentos.
Pois bem: em 1996, os investimentos das empresas estatais como um todo aumentaram de 1,36% para 1,65% do PIB no ano passado. Calma com o entusiasmo. Os investimentos da Petrobrás cresceram só 3,5%, de R$ 2,9 bilhões para R$ 3,0 bilhões. Da Eletrobrás, de R$ 1,2 bilhão para R$ 1,6 bilhão, ou mais 33%. Isto é: mais míseros R$ 100 milhões para a Petrobrás, mais míseros R$ 400 milhões para a Eletrobrás.
E para a Telebrás, do ministro Sérgio Motta? Mais R$ 3,0 bilhões, isto é, de R$ 3,9 bilhões para R$ 6,8 bilhões. Repetindo: R$ 7 bilhões para instalar telefones, contra R$ 3 bilhões para achar petróleo e R$ 1,6 bilhão para se produzir energia elétrica. Modernidade é isso aí.
PIB besta
Os economistas medem o "crescimento" da economia de um país usando o tal do PIB como termômetro. Mas o PIB é enganoso, como a equipe FHC sabia na década de 60, e hoje se esqueceu.
Por quê? O PIB é a soma dos valores, e não das quantidades dos bens e serviços produzidos em um país, ao longo de um ano. Resultado: se um país produz 1 milhão de metros de tecido de algodão (de baixo valor) e passa a produzir também um pouco de veludo (que custa caro), seu PIB "cresce" (em valor) mesmo que a economia vá muito mal.
Em 1996, o governo dos PhDs previa que o PIB cresceria de 4% a 5%. Cresceu só 3%. Um resultado positivo, de qualquer forma. Quem puxou o PIB foi o setor de serviços, com 3,5% de expansão. E quem puxou o setor de serviços foi o setor de telecomunicações, com 13,4%, depois de já ter crescido 25% em 1995. Crescimento "distorcido", concentrado em um setor. Como os investimentos.
Sem futuro
O governo PhD diz que as importações estão crescendo, mas daqui a uns "dois anos" haverá inversão de tendência, porque as empresas estão investindo para permitir o aumento da produção -e das exportações.
O presidente FHC puxou as orelhas dos "bocós", e mandou que eles olhassem os dados sobre a taxa de investimento no Brasil que, segundo ele, tinha pulado de 14% a 15% para 17% a 18% do PIB.
Agora, o IBGE diz que em 1996 a tal taxa de investimento nem chegou aos 16%. Pior ainda: a maior contribuição para essa taxa foi dada pela construção de imóveis (que é computada como "investimento"), isto é, apartamentos, casas etc.
Máquinas, equipamentos para produzir mais e até exportar, como diz o Planalto? Houve queda de 16% em 1996. O Brasil dos PhDs não está investindo mais coisa alguma. A não ser em telefones celulares, claro.
Dinossauros
O doutor Gustavo Franco, diretor do Banco Central, escreveu um artigo para o caderno Mais! desta Folha, publicado no último domingo. O doutor Gustavo diz que a economia se modernizou, o debate se modernizou, mas há velharias no jornalismo econômico, que continuam a usar expressões como "rombo", "explosão" e outras coisas "caipiras", inadequadas ao belíssimo Brasil de hoje. O doutor Gustavo acha que não se pode chamar o déficit de US$ 2 bilhões na balança comercial de "rombo". E de "buraquinho", pode?

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