São Paulo, quinta-feira, 13 de março de 1997
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João Cabral vai à TV

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um documentário inédito produzido pela TV Cultura revela as várias faces de João Cabral de Melo Neto, 77, o maior poeta brasileiro vivo.
Com uma hora de duração, "Duas Águas", dirigido por Cristina Fonseca, o programa vai ao ar no próximo dia 21, dentro da série "Leituras do Brasil" (leia texto abaixo).
Embora essas duas tendências estejam presentes em toda a produção do poeta, o aspecto social é preponderante em livros como "O Rio" e "Morte e Vida Severina", que o aproximaram de um público mais amplo.
Para os críticos e poetas, entretanto, o Cabral mais estimulante é o da poesia rigorosa, quase ascética, de "Serial" ou "A Educação pela Pedra".
A essa dualidade vem se juntar outra, de ordem ao mesmo tempo biográfica e estética: a tensão entre dois pólos geográficos, Pernambuco (onde João Cabral de Melo Neto nasceu e viveu até os 21 anos de idade) e a Espanha (onde morou, como diplomata, durante 13 anos).
Há ainda o aparente paradoxo do descendente de família senhorial, criado no engenho do pai, que se solidariza com os despossuídos do sertão e do mangue, tornando-se marxista.
Como brinca o poeta Décio Pignatari, num dos depoimentos do documentário da TV Cultura: "Ele tem o lado popular, que se chama João Cabral, e tem o lado aristocrático, que se chama Melo Neto".
O documentário esmiúça todas essas forças e influências contraditórias na formação da poesia de Cabral. Além disso, rastreia a notável repercussão de sua obra e de sua militância intelectual sobre outros poetas e artistas.
Para isso, os depoimentos, gravados em Recife, São Paulo, Rio de Janeiro, Barcelona e Sevilha, foram muito bem escolhidos e costurados.
Falam no documentário, além do próprio João Cabral (em declarações inéditas e antigas), os expoentes da poesia concreta: o poeta catalão Joan Brossa, o pintor catalão Antoni Tápies, o toureiro andaluz Manolo Vázques, o tradutor de Cabral para o espanhol Pablo del Barco, o crítico João Alexandre Barbosa, o escritor Ariano Suassuna e o empresário e bibliófilo José Mindlin.
Vida privada
Sobre a vida pessoal do poeta, o único a falar, e mesmo assim muito pouco, é seu irmão mais velho, Virgílio Cabral de Melo. Ele conta, por exemplo, que João Cabral, ainda menino, comprava folhetos de cordel na feira e lia-os aos domingos para os empregados da usina do pai.
Virgílio revela também que apenas ficou sabendo que o irmão escrevia poesia ao ler um artigo de Murilo Mendes sobre João Cabral, "O Poeta de 20 Anos". Cabral, que escrevia em segredo, havia mandado uns poemas para o poeta católico.
Valiosos também são os depoimentos de Brossa e Tápies, hoje aclamados entre os artistas mais importantes de seu país, que receberam crítica e estímulo de João Cabral quando este servia como diplomata em Barcelona, nos anos 40 e 50.
"Ele me orientou detalhadamente, por exemplo, sobre os lugares que eu deveria procurar em Sevilha, porque a Sevilha dele não é a turística e monumental, e sim a dos bairros taurinos e populares."
Além dos depoimentos, "Duas Águas" traz também vários poemas de João Cabral, lidos "em off" por ele próprio e pelo compositor Arnaldo Antunes, sobre imagens dos locais em que o poeta viveu e filmes de arquivo.

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