São Paulo, quinta-feira, 13 de março de 1997
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O petróleo e o compromisso do presidente

LUIZ PINGUELLI ROSA

Enquanto um grupo de técnicos estudava na universidade a privatização da Vale do Rio Doce, com base na documentação do BNDES, a pedido de uma comissão da Câmara dos Deputados, vinha à tona o projeto da regulamentação do petróleo.
Em reunião com o relator, deputado Eliseu Resende, e com líderes sindicais manifestei preocupação com alguns pontos do substitutivo ao projeto de lei do governo. Há o risco de romper o compromisso do presidente, na votação da emenda constitucional, de preservar a Petrobrás pela sua importância para o país. Fernando Henrique tem maioria no Congresso, e é seu dever manter sua palavra de honra.
Em seminário da Associação Brasileira de Gás, em Campinas, apontei os erros no debate. Os nacionalistas desejariam anular a revisão da Constituição na regulamentação ou com ela impedir a participação de empresas estrangeiras. Os liberais tentam anular o monopólio do Estado ou inviabilizar a Petrobrás, para depois privatizá-la.
O regime do monopólio foi mudado na Constituição, permitindo participação estrangeira por concessões. Mas o monopólio continua com a União, cabendo ao governo sua gestão como instrumento de política energética nacional, articulada mundialmente.
Não está claro o que se deseja com a regulamentação. Produzir mais petróleo a todo pano? Para que e para quem? Exportá-lo? Parece pouco inteligente. Ele ainda está barato, a Petrobrás importa uma parcela decrescente, a bom preço, e cresce a produção no país.
O Brasil demanda 500 milhões de barris/ano e, em 10 anos, poderá atingir 1 bilhão de barris/ano. Possui hoje cerca de 14 bilhões de barris, que pode dobrar com novas descobertas, segundo análises geológicas. Se houver produção acelerada e exportação, permitida pelo substitutivo, as reservas poderão acabar em menos de 20 anos. Teremos então de importar todo o petróleo, cujo preço subirá no futuro.
Embora bem-vindos os investimentos externos, a Petrobrás tem gerado recursos para investimento. A produção nacional é de 900 mil barris/dia. Para expandi-la em 100 mil barris/dia ao ano, será necessário US$ 1 bilhão por ano. Incluindo refino, prospecção, tecnologia e outros, a conta dará US$ 4,5 bilhões ao ano.
A Petrobrás investe hoje cerca de US$ 3 bilhões, remunerada abaixo do mercado internacional. Para atrair as "majors", o preço interno subirá, atingindo os níveis internacionais. Um acréscimo de US$ 3 por barril, na média dos derivados, multiplicado por 500 milhões de barris/ano, dá US$ 1,5 bilhão, chegando aos US$ 4,5 bilhões. Pura aritmética.
Portanto, o verdadeiro objetivo não é abastecer de petróleo o país. Abrindo o jogo: é um condicionante de EUA-FMI-Banco Mundial para o governo ter aval externo para a política monetária.
Fernando Henrique tem viajado buscando o papel de estadista. Os economistas que o cercam no governo são financistas que não enxergam as universidades brasileiras nem a tecnologia. São ignorantes nisto. Mas a Coréia do Sul passou à frente do Brasil enxergando seus interesses nacionais e seu potencial tecnológico. Logo, pode se integrar na globalização optando por um capitalismo inteligente.
Essa é a função de um estadista. Embora investimentos externos possam ser canalizados para o gás, como no gasoduto da Bolívia, a tecnologia do petróleo tem sido desenvolvida pela Petrobrás. É um caso raro em que o Brasil está na ponta mundial graças à parceria de uma empresa com universidades, criando áreas de pesquisa e gerando empregos qualificados para jovens.
Estudo do Grupo de Reforma Institucional do Setor Petróleo, com participantes da Coppe/UFRJ, da Unicamp, de empresas e consultores privados, propôs quatro anos de transição para o regime de concessões. Daria tempo para estruturar e dar competência técnica à Agência Nacional do Petróleo.
No entanto, na regulamentação aprovada pela Câmara, ela será um poder arbitral acima do Executivo, quase um braço do Banco Mundial. Esse tipo de instituição arbitral anglo-saxã não é eficaz aqui, sujeita às pressões de praxe e à corrupção. Deveria internalizar os conflitos em algum conselho deliberativo representativo de consumidores e produtores.
O estudo propôs ainda: prioridade à parceria com empresas de petróleo; manutenção com a Petrobrás dos campos que ela já descobriu; novas refinarias, otimizando as instalações existentes; uso dos dutos por negociação com a estatal, devidamente remunerada; cuidados para evitar "dumping".
Ainda há tempo para o Senado convidar técnicos e cientistas independentes, como fez a Câmara para o caso da Vale, não para audiências, mas para elaborar um parecer antes de votar a regulamentação, tal como faz o Office of Technological Assessment do Congresso dos EUA. No caso da Vale, valeu a pena.

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