São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 1997
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Partidos demais?

ANDRÉ SINGER

convém ler e anotar o livro do cientista político J.M. Nicolau. Passada a tempestade da reeleição, é provável que o tema, menos candente, da reforma política reingresse na agenda. E a análise oferecida pelo professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) aborda de maneira clara e sistemática um dos principais alvos reformistas: o número, supostamente excessivo, de partidos políticos existentes no Brasil. "Multipartidarismo e Democracia - Um Estudo sobre o Sistema Partidário Brasileiro (1985-94)" desfaz mitos e indica novos modos de pensar o assunto. Sustentando seus argumentos por meio de pesquisa empírica, o único problema do texto é não convencer de que haja partidos demais no Brasil e, portanto, de que a intenção de diminuir o seu número se justifique.
Vejamos alguns fatos apresentados pelo próprio autor. Dos 65 partidos que tentaram se legalizar entre 1985 e 1994, apenas 23 conseguiram obter registro definitivo. Das 23 legendas que alcançaram legalização plena, as sete maiores (PMDB, PFL, PDS/PPB, PSDB, PT, PDT e PTB) concentraram 85,4% da representação na Câmara dos Deputados ao longo do período 85-94 e todas elas obtiveram acima de 5% da média de cadeiras em disputa. Em democracias mais antigas, como as da Dinamarca e da Bélgica, também havia, na década de 80, sete partidos com mais de 5% dos assentos na Câmara Baixa.
Em outras palavras, apesar da multiplicação de siglas que tentaram participar do jogo eleitoral brasileiro após a redemocratização, algumas poucas acabaram concentrando o grosso do poder em disputa. Ou seja, os pequenos e micropartidos parecem ter mais importância nas páginas dos jornais do que na realidade.
Assim, a pergunta é: serão sete partidos "que contam" um número excessivo para um país complexo e multifacetado como o Brasil? A resposta de Nicolau, estranhamente, é positiva. A partir de um cálculo, cuja fórmula não aparece no livro, o autor chega ao "número de partidos parlamentares efetivos" no Brasil e o compara ao de outros quinze países democráticos. Como resultado dessa comparação, o Brasil emerge como aquele que tem o maior número de legendas (8,2 em 1994). Só para se ter uma idéia, a Itália, país com sistema partidário considerado pulverizado, tinha 5,7 partidos "efetivos" em 1992.
Mesmo reconhecendo os limites de uma classificação meramente quantitativa, Nicolau prefere ir em frente e investigar quais as causas do "excessivo" número de partidos no Brasil. Vale a pena seguir seus passos em busca da etiologia do assim denominado mal da fragmentação, uma vez que a sua pesquisa, mesmo para quem discorda do pressuposto, acaba iluminando aspectos relevantes do funcionamento das instituições brasileiras.
A mais importante sugestão do autor é que o sistema eleitoral proporcional com lista aberta não deve ser considerado o principal responsável pela multiplicação de partidos no Brasil. Como se sabe, na literatura de ciência política, o sistema eleitoral proporcional é tradicionalmente visto como causador de sistemas multipartidários. A ele se somaria, no nosso caso, o efeito potencializador da chamada lista aberta, pela qual o eleitor escolhe diretamente o candidato e não é obrigado a sufragar uma lista partidária com a relação de nomes previamente hierarquizada.
Nicolau sabe que, se o sistema eleitoral brasileiro fosse majoritário, a criação de novos partidos por cisão da elite política, como ocorreu nos casos do PFL e PSDB, não aconteceria. Quando cada distrito pode eleger apenas um representante, as forças políticas, pressionadas pela resistência dos eleitores a dispersar o voto, tendem a se agrupar em apenas dois grandes partidos. Já o sistema proporcional não oferece barreiras ao aparecimento de novas siglas, uma vez que a vitória de uma agremiação não significa a eliminação da possibilidade de que outras alcancem representação.
Mas, como bem assinala o autor, estes fatos mostram que a adoção do sistema proporcional contribui mais para explicar a inexistência de bipartidarismo do que para resolver o problema de por que existem no Brasil sete ou oito partidos efetivos em vez de quatro ou cinco.
Há certas regras que fazem um sistema proporcional mais ou menos fragmentador que outro. Uma hipótese seria a de que o sistema proporcional brasileiro fosse particularmente fragmentador. Nicolau mostra, contudo, que temos um sistema proporcional "concentrador" ou, ao menos, neutro. A fórmula de se chegar ao quociente eleitoral, a inclusão dos votos brancos no cálculo do mesmo e a exclusão dos partidos menores da disputa pelas sobras de votos tendem a beneficiar os grandes partidos. Por outro lado, quanto maior o número de representantes escolhidos por distrito eleitoral (o que os especialistas chamam de magnitude do distrito), maior é a chance de proporcionalidade, ou seja, de desconcentração partidária. E, neste capítulo, o Brasil é desconcentrador, pois a magnitude dos distritos é média e alta.
Postos os dados na balança, o sistema proporcional brasileiro não deve ser, entretanto, considerado centrípeto nem centrífugo. Em consequência, não é provável que a sua modificação venha a reduzir automaticamente o número de partidos. Tampouco o peculiar sistema de lista aberta seria fonte de fragmentação. O que a lista aberta produz, diz Marconi, é apenas uma transferência de poder do partido para o eleitor, sem qualquer relação com o número de partidos.
O que explicaria então a "grande" quantidade de partidos no Brasil? A distribuição regional dos votos e, sobretudo, a possibilidade de coligação nas disputas legislativas. Como as unidades políticas em que se divide o Brasil são desiguais quanto à sua densidade eleitoral, se os mega e grandes distritos (os Estados que elegem mais representantes) fossem dominados por poucos partidos, é provável que estes controlassem a representação na Câmara. Só que, como os grandes Estados brasileiros estão politicamente divididos, produzem um Congresso também pulverizado.
O problema maior, no entanto, estaria na possibilidade de se constituírem listas coligadas para as eleições proporcionais, permitindo assim que partidos sem o quociente eleitoral consigam vaga no Congresso. Os pequenos partidos pegam carona nos grandes e, por meio do expediente da chapa proporcional conjunta, acabam garantindo a própria sobrevivência e, com isso, aumentando o número de legendas existentes. A proibição desse mecanismo poderia representar a inviabilização de pequenos partidos como o PC do B, o PSB e outros, assim como daqueles que o autor classifica de micropartidos (PPS, PSC, PST etc.), diminuindo assim o número de siglas existente.
A questão é saber se vale a pena, sabendo-se que o custo seria cortar o acesso ao Parlamento de correntes que, embora minoritárias, são representativas de forças realmente existentes na sociedade. Será que isso faria bem à democracia brasileira? O livro não se propõe responder tal pergunta, mas fornece elementos importantes para enfrentar a importante discussão da mesma.

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