São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 1997
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Opinião e revolução

LÚCIA NEVES

na esteira de "O Iluminismo como Negócio", de Robert Darnton (Companhia das Letras, 1996), surge agora com uma defasagem felizmente menor, de apenas sete anos, a tradução deste "Revolution in Print", contribuindo ainda mais para a divulgação entre nós da especialidade conhecida na França como "histoire du livre". Fruto de uma iniciativa original da New York Public Library, sob a forma de uma exposição, na época das comemorações do bicentenário de 1789, esta obra reúne pesquisadores europeus e norte-americanos abordando as relações entre imprensa e revolução.
Rica e primorosamente ilustrada, integra contribuições variadas que formam um conjunto harmônico, dividido em três partes. Na primeira, encontram-se artigos que traçam as linhas gerais da atividade editorial no Antigo Regime; em seguida, aqueles sobre os efeitos da Revolução Francesa no cotidiano de editores, impressores, livreiros e tipógrafos; na última, os autores destacam as novidades introduzidas pelos produtos da época, como jornais, panfletos, almanaques, imagens e estampas.
A originalidade do trabalho reside em tratar, nas palavras de um dos organizadores, Robert Darnton, "a imprensa enquanto uma força ativa e não como mero registro dos eventos". Isso significa mostrar como os meios de comunicação impressa interagiram com o complexo processo da Revolução Francesa. Na sociedade em crise e em rápida transformação do período, a imprensa assumiu o papel inédito tanto de aglutinar quanto de dividir categorias sociais diversas, sob a ótica de um público cultivado, mas também na de um público "virtual", atento, na praça pública, às leituras dos novos instrumentos de comunicação, que se multiplicavam vertiginosamente. O trabalho visa, por conseguinte, avaliar a força e a eficácia da palavra impressa enquanto elemento formador de uma nova cultura política, enraizada no surgimento de uma opinião pública.
Inicialmente, R. Darnton, D. Roche e R. Birn mostram como a imprensa, apesar de subordinada à censura, conseguiu desenvolver uma rede subterrânea de interesses econômicos. As idéias da Ilustração, ao se converterem em projeto político e cultural, puderam, assim, circular "por baixo dos panos" da vigilância, nem sempre rigorosa (como foi o caso de Malesherbes), dos censores, e erigir-se em ameaça ao mundo de idéias do Antigo Regime.
Na segunda parte, indagações novas são justamente sugeridas por meio de um passeio pelo mundo dos negócios de impressores e livreiros. Com a ruína das antigas corporações, as transformações no mercado editorial implicaram, de um lado, no aparecimento de um infindável número de indivíduos, que se dedicaram à aventura do novo empreendimento representado pela palavra livre impressa (C. Hesse, P. Casselle e M. Vernus); de outro, na multidão de trabalhadores tipográficos, com suas inquietações e reivindicações. Ainda que estes, fiéis ao orgulho corporativo, continuassem a buscar apoio na segurança dos antigos métodos artesanais, eliminados pela Lei Le Chapelier (1791), resistindo às regras de um jogo cada vez mais capitalista (P. Minard).
Por fim, J. D. Popkin, A. de Baecque, J. Dhombres, L. Andries, R. Reichardt, L. Mason e J. Leith dirigem suas atenções para o conjunto amplo e variado dos objetos impressos. Se os jornais ganhavam uma forma nova, ao transmitirem a outra "face das notícias", que os instrumentos de repressão tinham até então procurado ocultar, foram os panfletos, almanaques, estampas, calendários, canções, jogos, cartas de baralho e o próprio papel-moeda que se tornaram, sobretudo, os veículos portadores de uma pedagogia cívica, com o objetivo de introduzir as concepções revolucionárias no cotidiano de cada cidadão francês. Os impressos, além de instrumentos de transmissão de conhecimentos e de experiências para círculos restritos, transformavam-se, portanto, em meios de mobilização, capazes de atingir um público amplo.
O trabalho, sem dúvida, impressiona o leitor pela riqueza e pelo largo espectro do material analisado. Além disso, abre inúmeras perspectivas de pesquisa e abordagem em relação à história da palavra impressa. Sobretudo porque, se muito ainda resta para ser feito sobre o tema na Europa, no caso do Brasil, o terreno permanece praticamente virgem. Conserva-se quase intocada uma quantidade de fontes passíveis de serem aproveitadas a partir dessa ótica: a "rede de polêmicas" estabelecida pelos panfletos políticos na época da Independência, as publicações relacionadas à campanha abolicionista e à causa republicana, os contratos dos autores com as casas editoras dos séculos 19 e 20, para citar apenas alguns exemplos.
Assim, ao chamar a atenção para o fato de que os escritos não se limitam a narrar a história, mas também a fazem, as contribuições reunidas em "Revolução Impressa" mostram-se particularmente oportunas e bem-vindas, pois significam um ponto de partida original e fecundo para as indagações em torno do papel da imprensa na construção da nossa peculiar cultura política.

Lúcia Maria Bastos P. Neves é professora de história na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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