São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 1997
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A controvertida hidrovia Paraguai-Paraná

ISRAEL KLABIN

O projeto de construção de uma hidrovia navegável por comboios de barcaças que pudessem transportar grandes volumes de produtos foi desenvolvido a partir da década de 80, por meio de negociações entre Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Brasil.
Os estudos de viabilidade foram financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, e os trabalhos, desenvolvidos por um comitê intergovernamental da hidrovia.
Os estudos acabaram por propor um projeto de hidrovia que, quando totalmente implementado, permitirá um deslocamento desde Cáceres (MT) até o Porto de Nueva Palmira, no Uruguai, no extremo sul. Essa via fluvial contínua terá 3.442 km e permitirá navegação diurna e noturna o ano todo. Terá 2.202 km no Rio Paraguai e 1.240 no Rio Paraná. Desse total, um terço estará em território brasileiro.
As principais controvérsias são de duas naturezas. Em primeiro lugar, são desconhecidos os impactos ambientais diretos e indiretos. Os estudos não são satisfatórios. Em segundo lugar, discute-se a real necessidade dessa obra para o desenvolvimento sustentado, pela grande região que atinge.
Existem várias dúvidas sobre as variáveis ambientais, sendo as principais decorrentes das modelagens espaciais. Assim, para tornar os rios navegáveis serão necessárias obras de engenharia que alteram profundamente o canal principal de drenagem.
Essas modificações implicam drenagem, remoção de rochas do fundo do rio, cortes de barrancos, retificação de meandros etc. Não ficam esclarecidos os impactos diretos sobre o regime hídrico dos ecossistemas. A falta de informações completas sobre os ecossistemas da bacia coloca em risco conclusões com modelos especiais.
Por outro lado, estudos recentes indicam que um rebaixamento na cota do rio Paraguai poderá afetar seriamente o regime hídrico do Pantanal.
É importante salientar que o balanço hídrico do Alto Paraguai, isto é, do rio Apa para cima, tem características especiais. Assim, 92% da água proveniente das chuvas se perde por evapotranspiração, e apenas 8% passam pelo canal principal, em Porto Murtinho.
Dessa forma, o Pantanal serve como um sistema de transporte de água difusa. Isso implica que todos os processos dinâmicos biológicos que mantêm a alta produtividade daquele ecossistema dependem desses recursos hídricos. Em consequência, toda a fauna associada e as atividades agropecuárias estão associadas e são decorrentes desse equilíbrio.
Outro ponto relevante é a falta de conhecimento ou de previsão de impactos indiretos que uma obra desse vulto trará para a região, e quais serão as consequências ecológicas e também econômicas sobre a própria hidrovia.
Só como um exemplo simples, o estímulo para as atividades da agropecuária, que será trazido pela hidrovia, refletirá diretamente num aumento de transporte de sedimentos. Isso trará efeitos imediatos na quantidade de sedimentos retirada periodicamente para manter os canais de navegação.
Quanto à necessidade, especialmente para o Brasil, dessas obras, as discussões apontam outras soluções, destacando-se a utilização da hidrovia do rio Madeira, que liga Porto Velho a Itaquatiara, no Amazonas, e a ferrovia que liga Corumbá (MS) a Bauru (SP).
No que diz respeito ao transporte de minérios, será sempre possível organizar um sistema hidroviário utilizando o período de águas mais altas para os transportes mais intensos, controlando-se os estoques. Mesmo uma possível produção de soja no Alto Paraguai poderá ser transportada nas cheias.
Pela falta de conhecimento básico sobre a região, será temerária qualquer modificação irreversível na morfologia do rio Paraguai. As consequências são imprevisíveis, e seus benefícios socioeconômicos são discutíveis.
Os principais impactos negativos serão na bacia do Alto Paraguai, que inclui o Pantanal, sendo o Brasil o menor beneficiário e arcando com o maior impacto ambiental e socioeconômico.
De qualquer forma, o projeto dessa hidrovia tem que ser considerado como uma obra inserida num contexto regional, levando-se em consideração todos os fatores limitantes do conhecimento no estabelecimento das conclusões dos seus impactos.

Desenvolvimento Sustentável e do Conselho de Administração das Indústrias Klabin de Papel e Celulose. Foi prefeito do Rio de Janeiro de 1979 a 83.

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