São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 1997
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Quando a questão é cultura

ERIC NEPOMUCENO

O produto brasileiro de maior aceitação no mercado internacional é também o que apresenta maior nível de qualidade e diversidade, além de características que o tornam único: a cultura e as artes. E, no entanto, até há pouco tempo o país carecia de uma política de Estado destinada exclusivamente ao intercâmbio e à difusão cultural no exterior.
Na verdade, não haviam sido dados sequer os passos iniciais para a consolidação de um programa duradouro e consistente de intercâmbio na área das artes e da cultura, e tampouco havia sido desenhada e implementada qualquer estratégia para transformar esse produto em instrumento de inserção do país, de forma harmônica e permanente, no cenário internacional.
Em respeito à verdade, é necessário reconhecer que desde a Era Vargas o Estado não colocou entre suas prioridades estabelecer uma política de difusão cultural estável e que mirasse objetivos a médio e longo prazos. O que tivemos até recentemente foi a política de beira-mar: esperar a maré para aproveitar o movimento ou ver o que havia de útil, interessante e que valesse a pena resgatar das ondas.
Para superar essa situação, o Ministério da Cultura -a quem compete estabelecer as políticas da área cultural em todos os níveis- passou por uma reformulação específica. Nesse sentido, uma das primeiras medidas adotadas pelo ministro Francisco Weffort foi reestruturar a Secretaria de Intercâmbio e Projetos Especiais (encarregada das relações internacionais).
A partir de então -final do primeiro semestre de 1995-, e pela primeira vez em décadas, o país pôde dar os primeiros passos de uma caminhada certamente longa, cujos resultados só deverão começar a ser colhidos em mais alguns anos -que oxalá sejam poucos.
Desde meados de 95 foram estabelecidas as bases e as linhas de ação para que o relacionamento das artes e da cultura do Brasil com o exterior pudessem contar com um programa coerente e efetivo. E a partir de 1996, essa programação estabelecida pelo Ministério da Cultura vem deslanchando num ritmo apreciável, superando o obstáculo da inércia e as lacunas que se tornaram crônicas ao longo de décadas.
O trabalho da Secretaria conta com uma vertente importante, que é a parceria, em vários programas, com o Ministério das Relações Exteriores. Assim, os postos diplomáticos brasileiros vêm dando sua colaboração, e a soma do apoio logístico prestado por alguns permite que essa política específica do Ministério da Cultura alcance com maior rapidez seus objetivos.
Um exemplo claro dessa política a ser desenvolvida a médio e longo prazos pode ser visto no programa do escritor-residente, estabelecido pelo Ministério da Cultura em 1996, inicialmente com duas universidades norte-americanas de primeira linha -Stanford e Berkeley, na Califórnia-, e que a partir de 1997 já se estende a outras duas, a do Texas, em Austin, e a Brown, em Rhode Island.
Entendimentos estão sendo detalhados junto a outras duas grandes instituições dos EUA, a Universidade de Yale e o Wilson Center, em Washington.
Resultado: são vários os escritores de diferentes tendências, de Rubem Fonseca a Sergio Sant'Anna, participando. A idéia é manter por períodos de um mês a cada ano, nessas cinco universidades, um escritor brasileiro.
Acordos editoriais asseguram a publicação, entre 1997 e 1998, de dez títulos de nossa literatura contemporânea no México e no Reino Unido, e de cinco títulos na Venezuela. Estão sendo finalizados acordos -também para dez títulos- na Argentina e no Chile, além de intercâmbio de escritores com esses países e o México.
O Ministério da Cultura apoiará, em 1997, turnês de dois grupos de artes cênicas na Europa. Em 1998, o apoio irá para quatro grupos.
Em finais do próximo mês de maio, o ministério promoverá uma turnê de escritores no Reino Unido, em parceria com o British Council, e até o fim do ano realizará mostras itinerantes de nossa produção cinematográfica mais recente em três países (Reino Unido, Espanha e México).
A programação permanente inclui ainda seminários específicos sobre personalidades fundamentais de nossa cultura (Machado de Assis em 1996 e Clarice Lispector em 1997, na Espanha; Guimarães Rosa e o padre Antônio Vieira em Portugal, em 1997).
O Ministério da Cultura tem, apenas para 1997, um total de 72 ações já programadas, tomando como base áreas determinadas numa lista de prioridades (Mercosul, restante da América Latina, Península Ibérica, Europa, EUA, África lusófona) e todos os segmentos de nossas artes e de nossa cultura.
Pintores brasileiros realizam oficinas com jovens artistas de países do Mercosul, são oferecidos cursos de capacitação e especialização aos países da área, programas de intercâmbio de jovens artistas foram estabelecidos com a Alemanha e sobretudo com o México.
Esse esforço mobiliza as várias fundações vinculadas ao Ministério, como a Biblioteca Nacional, a Funarte e o Instituto do Patrimônio.
Em 1996, o orçamento destinado a essas atividades foi oito vezes superior ao de 1995. E para 1997, é 50% maior que o do ano passado. Isso, que traduz a mais firme determinação do ministro Weffort e o respaldo permanente do presidente Fernando Henrique Cardoso, significa um novo enredo num novo cenário -que, aliás, é o correto: o Ministério da Cultura. É um começo, sem dúvida.

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