São Paulo, domingo, 16 de março de 1997
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Monastério de Santa Clara

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - "Como todo e qualquer país, o Brasil terá ladrões e corruptos, mas não serão a maioria. O que predominará nessa imensa e bela terra colonizada por jesuítas será a mediocridade em todos os níveis." A transcrição, apesar do bafio de óbvia, é inédita na imprensa nacional.
Inédito é o original que a contém, um velho manuscrito na seção de obras raras do antigo Monastério de Santa Clara, ancestral do novo que até hoje existe, em Nápoles, mas sem as preciosidades do primeiro, parcialmente destruído pela erupção do Vesúvio de 1781 -a segunda maior, depois daquela que destruiu Pompéia e Herculano.
São poucos os estudiosos que penetram na velha cripta onde estão guardados os destroços da famosa biblioteca que -segundo a lenda- teria sido visitada pelo florentino Maquiavel. É ali que se encontram as edições "princeps" de antigos relatos dos navegadores do século 18. Um deles escreveu sobre o Brasil de 1700. Seguramente, tratava-se de algum monge ligado ao claustro do Santa Clara. Escrevia num latim elegante com algumas expressões célticas -o que leva à suposição de ser ele francês de origem.
O relato descobre no Brasil uma virtude que muito espantou o visitante: a alegria por nada, a alegria desinformada, a alegria, em suma. Éramos então um país alegre e medíocre, embora já tivéssemos ladrões e corruptos.
O autor narra num latim saboroso, com toques de Salústio, uma reunião de artistas a que presenciou na Bahia, nos fundos de uma igreja. Começa que a reunião começou tarde da noite -o que espantou ainda mais o religioso. Naquele tempo, já era costume não se fazer nada nem de dia nem de noite. Diz textualmente o monge: "Um senhor de voz rouca, que parecia ser admirado pelos presentes, sugeriu que a partir daquela data fosse proibida qualquer alusão ao fato de haver no país ladrões e corruptos".

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