São Paulo, domingo, 16 de março de 1997
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Eles deixam as mulheres "doentes"

ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA
FOTOS ANA OTTONI

Cláudio, 28, recebe telefonemas anônimos apaixonados no meio da noite. O muro do local onde trabalha já amanheceu pichado em sua homenagem. Muitas vezes, encontra flores e bilhetes deixados no carro. Alguns casos de fãs mais extremadas já foram parar na polícia.
Se Cláudio fosse ator, cantor ou modelo, nada disso seria novidade. Mas Cláudio, que pediu para não ser identificado com medo que o assédio piorasse, é médico.
Alto, pele morena contrastando com os olhos esverdeados, rosto quadrado, cabelo comprido e ombros largos, Cláudio tem o biotipo de galã, mas trabalha 12 horas por dia como infectologista em um hospital público de uma cidade grande do interior de São Paulo.
"Apesar de ser discreto, sou muito assediado. Como sou jovem, falo gíria e não uso branco, muita gente confunde e folga comigo. Entram na minha vida e faltam com respeito", afirma o infectologista, que, por ser bonito, conseguiu resultados espantosamente positivos com prostitutas.
"Trabalho no posto de saúde de uma cidade pequena aqui perto. Lá tem muita prostituta, que tradicionalmente não procura médicos da minha especialidade. Um dia, uma foi se consultar comigo, e logo depois elas começaram a formar fila para serem atendidas. O pessoal do posto não acreditou."
Mesmo médicos não tão beneficiados pela natureza quanto Cláudio reclamam do assédio das pacientes -um reverso da medalha pouco conhecido, porque normalmente são divulgados apenas casos de médicos apalpando mulheres ou fazendo propostas indecentes às clientes.
"Na minha área, a gente sempre atende com uma enfermeira ao lado. Nós temos o maior respeito, tratamos com profissionalismo, mas sempre aparece alguma paciente que confunde as coisas e se apaixona por você. Não conheço nenhum médico que nunca tenha tido um problema de assédio", conta o ginecologista Pedro Longo Bahia, 33, que atende em um consultório no Itaim (bairro nobre na zona sul de SP).
Olhares de agradecimento
Quando o assédio não é explícito, o médico em geral vira alvo de uma paixão, cujo "platonismo" varia segundo o grau de timidez da paciente.
A admiração, nesses casos, é expressa em presentes caros, elogios demorados ou apenas em olhares lânguidos.
Para o cirurgião plástico Luiz Basso, a paixão é "fruto de uma transferência temporária de gratidão". "A pessoa está fragilizada. Na fase pós-operatória, por exemplo, a paciente transfere muita coisa para o médico", afirma Basso, que também só atende com uma enfermeira ao lado para evitar futuras complicações.
O cirurgião pediátrico Renato Melli Carrera, 32, concorda: "As pessoas ficam sensibilizadas, como quando você opera uma criança e devolve o filho à mãe com vida. Na hora de entregar a criança, ela está com aquele olhar de agradecimento... Por uma fração de segundo, a relação é de afeição pessoal, mas acho isso positivo".
Os pediatras, em geral, são apontados como as principais "vítimas" das paixões femininas. "Eu tenho até pena deles. Naquela fase pós-parto, em que o corpo está feio, o marido está sem paciência, elas criam um vínculo muito forte com o pediatra", diz Basso.
O pediatra Renato Pessoa de Carvalho, 29, que atende na Maternidade São Luis (zona sul), diz que já "enfrentou muitos elogios", mas nunca assédio. "O médico é um pouco padre, confessor, sem o problema da batina", afirma Renato, conhecido como o "médico loiro, de olhos azuis".
Para enfrentar saias justas, ele "se faz de bobo, finge que não ouve". "Se a pessoa insiste, agradeço e dou uma quebrada. Se ela diz 'você é lindo', respondo 'obrigado, minha mãe também acha'".
No seriado "Plantão Médico", que a Rede Globo exibe quinta-feira à noite, o galã é justamente o pediatra Doug Ross, interpretado pelo ator George Clooney, o novo darling das americanas (leia entrevista na pág. 17).
O sucesso do programa, que se passa em um hospital público de Chicago, é um indício da popularidade dos médicos. Nos EUA, 36 milhões de pessoas assistem o seriado, que só perde para "Seinfeld", uma comédia sobre três vizinhos solteirões.
No Brasil, são 2,4 milhões de telespectadores apenas na Grande São Paulo -para se ter uma idéia, o Fantástico e o Jornal Nacional vêm mantendo uma média de 2,8 milhões.
Receita
O residente em cirurgia-geral Roberto Fiorio Pecorari, 25, segue a mesma receita de Renato Carvalho para escapar das investidas femininas. "Quando recebo uma cantada, mudo o tom, fico mais seco, agradeço e mudo de assunto", diz.
Pecorari já sofreu assédio explícito de uma mulher que foi operada no Hospital São Paulo (Vila Mariana), onde ele trabalha. Ela o viu na sala de cirurgia e, mesmo não sendo sua paciente, começou a puxar conversa.
Ele não sabe como, mas a mulher conseguiu seu telefone e o número do seu bip. "Ela me escreveu cartinha de amor, ligava em casa e ficava me bipando, mesmo quando eu estava operando. Minha namorada ficou furiosa", conta.
Pecorari conseguiu se livrar da fã "depois de ser meio grosso", e diz que até hoje recebe presentes de uma pessoa que ele não sabe quem é.
Bonitinho, mas competente
Se beleza rende elogios e presentes, também dá margem ao preconceito, principalmente por parte dos colegas.
"Estava disputando um emprego e o dono da clínica perguntou para um amigo meu que já trabalhava lá se eu realmente era competente ou se eu era só bonitinho", conta Roberto Alves Lima, 39, radiologista da Santa Casa de São Paulo (região central).
Embora não goste de ser considerado atraente, Roberto reconhece que faz sucesso com as mulheres. "Às vezes, as pacientes comentam com a secretária: 'nossa, que médico bonito, vou voltar'. Sei que tenho um alto índice de retorno, o que é pouco comum na minha especialidade, porque exame você só faz quando está doente. Mas espero que elas voltem também por causa da minha eficiência", diz.
O psiquiatra Silvio Simenov Jr., 40, já foi chamado de "bibelô da chefe". Ele trabalhava em uma entidade assistencial e assumiu um cargo administrativo importante. "Havia muita disputa interna. Um dos modos de me atacar era dizer que eu era bibelô da chefe, porque desqualificava o meu trabalho e pegava na questão pessoal", diz.
Em outras ocasiões, a aparência ajudou. Quando era residente, Simenov tinha uma hora de almoço. "Eu aproveitava para dormir até duas horas na enfermaria, coisa que ninguém podia fazer. Era aquela coisa de usar a sedução."
O pediatra Renato Carvalho acha que, se o médico for competente, a "boa aparência" só ajuda. "Você não vai pôr no receituário uma foto sua, mas, como em qualquer relacionamento, você tem de estar bem vestido, com um bom aspecto. No fundo, é um produto que você está vendendo. Na medicina, o produto é você mesmo, seus conhecimentos. Se o produto vem em uma embalagem bonita, vende mais", diz.
Mito e realidade
Além da fragilidade (quem procura um médico está doente) e do sentimento de gratidão (após a cura), as mulheres sentem atração por "doutores" porque eles representam inteligência (são seis anos de estudos puxados) e status (os bem-sucedidos ganham muito bem).
Mas os próprios médicos são os primeiros a desfazer esses mitos. "Na verdade, esse pediatra todo simpático, disponível, foi treinado para isso", diz Simenov.
"Às vezes, a minha mulher me cobra, diz que com os outros eu tenho tanta paciência, mas com ela, me irrito por pouco", diz o pediatra Mauro Toporovski, 43, professor da Santa Casa de São Paulo.
Simenov acredita que se a paciente levar em frente um relacionamento com o seu médico acabará extremamente decepcionada. "A mulher cria uma fantasia: achar um homem que seja amante e que também cuide das suas dores. Mas, elas não sabem que, como o médico cuida das pessoas o dia todo, quer alguém que cuide dele quando chegam em casa."

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